Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
921/19.7JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: HORÁCIO CORREIA PINTO
Descritores: CRIME DE COACÇÃO
CRIME DE EXTORSÃO
DISTINÇÃO
ELEMENTOS DOS TIPOS
PERDA ALARGADA DE BENS
PRESUNÇÃO
ELISÃO
Nº do Documento: RP20220112921/19.7JAPRT.P1
Data do Acordão: 01/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDOS PARCIALMENTE OS RECURSOS
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O crime de coacção consuma-se com a ameaça de um mal importante, ou com o constranger uma pessoa a uma acção ou omissão ou a suportar uma actividade. Trata-se de um contra a liberdade pessoal:
II – Já o crime de extorsão exige a intenção de conseguir para si ou terceiro enriquecimento ilícito, mediante o constranger outra pessoa, por meio … de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete para ela ou para outrem prejuízo. É um crime contra o património.
III - Qualquer um dos crimes pode revestir modalidade agravada.
IV - O crime de extorsão tem como objectivo directo a obtenção de uma vantagem patrimonial à custa do prejuízo do extorquido.
V - O elemento objectivo traduz-se num acto de disposição patrimonial. Nesta senda, quer o acto de disposição patrimonial, assuma forma de acção, omissão ou tolerância, pode ter por objecto qualquer elemento do património: direitos reais, de crédito ou meras expectativas jurídicas. Parte da ideia para haver extorsão é necessário que a disposição patrimonial constitua um enriquecimento ilegítimo, para o agente ou terceiro, e correspectivamente um prejuízo, para a vítima ou terceiro.
VI - O crime de extorsão é um crime especial de coacção, estando relativamente a ele numa relação de especialidade
VII - O elemento subjectivo configura uma modalidade de dolo (basta o dolo eventual) nos termos do artº 14 do CP - susceptibilidade de constranger e de se conformar com a acção.
VIII - A lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira. No seu âmbito cabem, entre outros ilícitos, os crimes de associação criminosa e branqueamento de capitais.
IX - A perda alargada de bens a favor do Estado prevista no artº 7 da citada lei presume constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento líquido.
X - O conceito de património previsto no nº 2 do artº 7º da Lei 5/2002 é muito abrangente, muito embora seja necessário o seu domínio e benefício. A lei descreve também os bens transferidos para terceiros a título gratuito … e os recebidos nos últimos 5 anos, anteriores à constituição de arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
XI - A presunção de proveniência ilícita é controversa no domínio da prova (inversão do ónus da prova) e briga com os princípios de presunção de inocência, da culpa e acusatório estabelecidos constitucionalmente
XII - Cabe ao arguido o ónus de ilidir a presunção legal estabelecida nesta lei.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 921/19.7JAPRT.P1
2ª Secção Criminal-Tribunal da Relação do Porto.

Relatório:
No processo acima identificado, por sentença proferida em 18/03/2020, com declaração de depósito na mesma data, decidiu-se julgar a acusação parcialmente provada e procedente, com o seguinte dispositivo:
Absolver os arguidos:
- B…, C…, D… e E…, da prática em co-autoria material de um crime de extorsão, p.p. pelo artº 22, 23, 223, nºs 1 e 3, a), com referência ao artº 204, nº 2, a) do C.P.
- D…, C… da pratica em co-autoria material e concurso real de, um crime de incêndio na forma tentada, p.p. pelo artº 22, 23, 272, nº 1, alª a) do C.P, um crime de incêndio, na forma
consumada, p.p. pelos artº 272, nº1, alª a) e 285, do C.P, um crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artºs 131, 132, nº1 e 2, alª s e) e h), do C.P. e cinco crimes de homicídio qualificado na forma tentada, p.p. pelos artºs 131 e 132, nº 1 e 3, c) e h), do C.P.
- B…, da prática, em co-autoria material e concurso real, de dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. pelos artºs 131 e 132, nº 1 e 3, c) e h), do C.P.
- B…, da prática, em co-autoria material, de um crime de branqueamento, p.p. pelo artº 368-A, nºs 1 e 2, do C.P.;
- F…, da prática, em co-autoria material, de um crime de branqueamento, p.p. pelo artº 368-A, nº s 1 e 2, do C.P.
- G…, Unipessoal, Ldª pela prática, em autoria material de um crime de branqueamento, p.p. pelo artº 368-A, nºs 1 e 2, do C.P.

Condenar os arguidos:
a) B… - pela prática em co-autoria material, de um crime de coação na forma tentada, p.p. pelo artºs 22, 23, 154, nºs 1 e 2, do C.P., na pena de 9 meses de prisão;
-pela prática de um crime de incêndio na forma tentada, p.p. pelo artº 22, 23, 272, nº 1, alª a), na pena de 1 ano de prisão;
-pela prática de um crime de incêndio, p.p. pelo artºs 272, nºs 1, alª a), do C.P. na pena de 7 anos de prisão,
-pela prática de um crime de homicídio qualificado, p.p. pelo artº 131, 132, nº 1 e 2, al. h) do C.P. na pena de 20 anos de prisão;
- pela prática de cada um dos três crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. pelo artºs 131, 132, nºs 1, e nºs 2, alª h), do C.P. na pena de 9 anos de prisão;
Em cúmulo jurídico, condena-se o arguido B… na pena única de 25 anos de prisão.
b) C… - pela prática, em co-autoria material, de um crime de coacção na forma tentada, p.p. pelo artºs 22, 23, 154, nºs 1 e 2, do C.P. na pena de 9 meses de prisão;
c) D…, em co-autoria material, de um crime de coacção na forma tentada, p.p. pelo artº 22, 23, 154, nºs1 e 2, do C.P. na pena de 9 meses de prisão,
d) E…, em co-autoria material de um crime de coacção na forma tentada, p.p. pelo artºs 22, 23, 154, nº 1e 2, do C.P. na pena de 9 meses de prisão.
Suspender a execução da pena de 9 meses de prisão aplicada aos arguidos C…, D… e E…, pelo período de um ano.

Parte civil
Absolver os C…, D… e E…, F…, G…., Unipessoal, Ldª dos pedidos de indemnização civil deduzidos por:
-Centro Hospitalar …, E.P.E.
-Centro Hospitalar H…,
- I… e J….
- K…, S.A.
- L…;
- M…, N…;
- O… e P…;
Absolver o arguido E…, do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente Q….
Julgar total e parcialmente, respectivamente, procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos e, consequentemente, condenar o arguido B… no pagamento de:
- €147, 96, ao Centro Hospitalar H…;
- € 175, 47, ao Centro Hospitalar H…;
- € 147, 96, ao Centro Hospitalar H…;
- € 170.000,00, ao assistente L…;
- €43.995,00, à assistente M…;
- € 24.510,00, ao assistente N…;
- € 29. 870,00, ao assistente Q…;
- € 53 708,13, aos assistentes I… e J…, bem como no que se vier a liquidar em execução de sentença até à reparação integral.
€ 58.065,00 a O…;
€ 30.110,00, a P…;
€ 35.405,00, a O… e P…, em comum, € 700.000,00, à assistente K…, S.A. e no mais necessário à reconstrução do imóvel, sito no nº … a …, da Rua …, Porto, a liquidar em execução de sentença;
Condenar os arguidos C…, D…, E… no pagamento solidário, com o arguido B…, da quantia de € 1.000,00, da indemnização fixada a Q….
Julga-se improcedente o pedido de perda ampliada dos bens dos arguidos B…, F… e G…, Unipessoal, Ldª
Determina-se a devolução dos objectos apreendidos, por não se verificarem os pressupostos do artº 109, do C.P.
Determina-se o levantamento do arresto peticionado pelo Ministério Público.
Determina-se o levantamento do arresto dos bens da sociedade G…, Unipessoal, Ldª e F….

Cessa a medida de coacção de prisão preventiva a que se encontrava sujeito o arguido C…, ficando o mesmo a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações decorrentes do TIR, já prestado.
Mantém-se a medida de coacção de prisão preventiva a que se encontra sujeito o arguido B…, uma vez que se mantém os pressupostos que fundamentaram a sua aplicação, agora reforçados quanto ao perigo de fuga.
Proceda-se à recolha de ADN do arguido B….

Inconformado com a decisão veio o MP recorrer alinhando as seguintes conclusões: (…)

O recurso interposto pelo MP foi liminarmente admitido.

O recurso do arguido C…, interposto a fls. 6463 foi recusado a fls. 6608 por intempestivo.

Recurso do arguido B… – fls. 6491 e conclusões de fls.6705, mediante despacho de fls. 6700 a convidar o recorrente para elaborar conclusões e a dizer se mantém interesse nos recursos interlocutórios.

O recurso foi liminarmente admitido a fls. 6608.

Das conclusões: (…)

Resposta do MP ao recurso interposto pelo arguido B….
(Conclusões) (…)

Resposta ao recurso do MP oferecida pelos arguidos: (…)

Resposta ao recurso do MP apresentada pelo arguido D…conclusões. (…)

Resposta do arguido C… ao recurso interposto pelo MP. (…)

Já neste Tribunal Superior o senhor Procurador Geral-Adjunto elaborou parecer nos termos seguintes: (…)

Cumpriu-se o artº 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Mantém-se a regularidade da instância.
Nada obsta o conhecimento do mérito.

Da decisão recorrida.
(…)
Factos provados:
1. Na Rua …, nº …, na cidade do Porto, até 2 de Março de 2019, existiu um imóvel composto por cave, r/c, 1º andar, 2º andar, 3º andar e águas furtadas.
2. Tal imóvel foi projectado no ano de 1920, localizava-se na zona histórica e de comércio do Porto.
3. Em 9 de Fevereiro de 2019, os pisos constituídos pelo 1º e 2º andares, encontravam-se devolutos, há cerca de 20 anos e o r/c esteve arrendado para um estabelecimento comercial de café, até ao início de 2017.
4. O acesso aos 1º a 3º andares fazia-se através de escadas de madeira, inerentes à construção secular dos prédios naquela zona da cidade.
5. Apenas o 3º andar e as águas furtadas do prédio eram habitados há 50 anos, por M…, nascida em 18.02.31, viúva, e os seus três filhos: Q…, N… e S…, por via de contrato de arrendamento de duração indeterminada, titulado pela M… como inquilina. O valor da renda mensal era de 53,28€, que era depositado mensalmente pela M…, em conta bancária existente no Banco T….
6. Os quartos de dormir dos ofendidos S… e Q… situavam-se nas águas furtadas do referido prédio.
7. A especulação imobiliária, na cidade do Porto, com especial relevo nos últimos, tem levado à procura de edifícios e habitações, fazendo com que os arrendatários sejam aliciados a abandonar as casas onde viviam há décadas para que as mesmas sejam remodeladas e reutilizadas, permitindo aos proprietários a obtenção de lucro.
8. No dia 12 de Dezembro de 2016, a arguida “G… – Unipessoal, Ldª.”, da qual é único sócio e gerente o arguido B…, também conhecido como “B1…”, de nacionalidade Chinesa, adquiriu o referido prédio – sito no nº … da Rua … - pelo preço de 645.000€ (seiscentos e quarenta e cinco mil euros), tendo em vista esse mesmo propósito de obtenção do maior lucro possível, com a sua desocupação e remodelação.
9. Para permitir o pagamento do preço do referido imóvel, a conta pessoal do arguido B…, com o nº ……….., do T…, foi provisionada, em Outubro e Novembro de 2016, com quantias provenientes de contas domiciliadas no Canadá, por familiares do arguido, e de contas domiciliadas em Macau, em nome deste.
10. Por isso, em 30 de Outubro de 2017, o arguido B…, enquanto gerente da empresa “G… – Unipessoal, Ldª.”, apresentou na Câmara Municipal …, um pedido de licenciamento de Obra de Edificação “Obras de Alteração-Conservação e Reabilitação”, para o edifício em causa, com a apresentação dos projectos de arquitectura e engenharia. Com tal obra, pretendia o arguido alterar o funcionamento espacial interior do prédio, demolindo e executando novos acessos verticais, mantendo apenas as fachadas e as cotas altimétricas dos pés direitos originais com a excepção do piso das águas furtadas, com vista à alteração do seu fim, pretendendo obter concretamente, três espaços funcionais destinados a serviços e a área restante, destinada a habitação multifamiliar, num total de cinco apartamentos, distribuídos da seguinte forma: 2 apartamentos no 1º piso, 2 apartamentos no 2º piso e 1 apartamento ocupando o 3º piso e andar recuado.
11. Tais obras iriam implicar a demolição geral da cobertura de estrutura de madeiramento, a demolição geral das divisórias interiores em tabique, dos compartimentos, a demolição geral dos tectos interiores em gesso estucado, o desmonte geral dos pavimentos e revestimentos interiores, a demolição de elementos construídos, da varanda do 3º piso, divisórias interiores, com escavação/rebaixamento de cotas dos pavimentos, e outras.
12. Após a entrega de diversa documentação, correcção de dados técnicos, entrega de projectos e outros requerimentos, em 8 de Novembro de 2018, o projecto de arquitectura foi aprovado, passando a existir um prazo de, pelo menos, seis meses, para a apresentação dos projectos de especialidade.
13. A partir de 12 de Dezembro de 2016, o arguido B… ficou na posse da chave da porta de acesso ao interior do edifício sito na Rua …, nº ….
14. A determinada altura, arguido B… decidiu vender o prédio sito na Rua … nº …, livre de pessoas e bens.
15. A concretização de tal desiderato, impunha o termo do contrato de arrendamento de duração ilimitada celebrado pelo anterior proprietário há cerca de 50 anos, com a inquilina M… e a ocupação por esta e pelos seus três filhos, do 3º andar do prédio.
16. Por isso, logo a partir do início do ano de 2018, com o propósito de por termos ao contrato o arguido B…, fez diversas propostas à inquilina e aos filhos desta.
17. O arguido B…, que por não dominar a língua portuguesa comunicava em inglês, fazia-se sempre acompanhar do arguido E…, seu amigo, que lhe servia de tradutor.
18. No início de 2018, abordou a inquilina M…, e os filhos desta, no sentido de chegarem a um entendimento tendente ao termo do contrato o arguido B… ofereceu quantia de valor não concretamente apurada, que não foi aceite por estes.
19. Estas negociações, ocorreram ora por telefone, ora no 3º andar locado, ora em cafés situados nas imediações do prédio, entre estes arguidos e os filhos da inquilina Q…, com ela residente, e U….
20. Após a aprovação do projeto de arquitetura pela Câmara - em 8 de Novembro de 2018 - o arguido B… disponibilizou a quantia de, pelo menos, € 40.000,00, para que a inquilina e a sua família abandonassem o locado.
21. Em 28 de Novembro de 2018, o arguido B…, em representação da sociedade “G…”, celebrou um contrato de promessa de compra e venda do imóvel sito no nº … da Rua …, pelo valor de 1.200.000€ (um milhão e duzentos mil euros), comprometendo-se a entregar em 31 de Maio de 2019, o referido prédio livre de pessoa e bens, bem como de quaisquer ónus e encargos, a V….
22. Na sequência da celebração do referido contrato-promessa, o arguido B…, recebeu, a título de sinal, faseadamente, a quantia total de 160.000,00 € (cento e sessenta mil euros).
23. O não cumprimento deste contrato promessa e a sua não entrega livre de pessoas e bens implicaria para o arguido B… e para a sociedade que representava um prejuízo de 320,000 €, tendo em conta o valor do sinal.
24. O arguido B… era frequentador da noite do Porto e em dia não apurado da segunda quinzena de Dezembro de 2018, deslocou-se ao estabelecimento de diversão noturna denominado “W…”, onde trabalhava o arguido D…, e aí travou conhecimento com este e com o arguido C….
25. A partir de meados de Janeiro de 2019, o arguido B…, passou a frequentar assiduamente o estabelecimento nocturno “W…” e, de todas as vezes que ali comparecia, fazia despesas de valores elevados, ascendendo muitas vezes a mais de 1.000€ por noite.
26. Os arguidos B…, D… e C… encontraram-se no dia 3 de Fevereiro de 2019, pelas 17h00, na zona …, sita no Porto, mais concretamente no X… (estabelecimento de restauração).
27. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 9 de Fevereiro de 2019 e uma vez que os ofendidos (a inquilina M… e os seus filhos) recusavam sair da habitação, o arguido B… acordou com os arguidos D…, C… e E… que estes se deslocariam à residência da inquilina e sua família e ali, através de intimidação e ameaça, os levariam a assinar o contrato cuja execução os obrigasse a abandonar o prédio.
28. Com o referido propósito, no dia 9 de Fevereiro de 2019, pelas 12h00, os arguidos B…, D…, C… e E… encontraram-se no Restaurante “Y…”, na zona …, no Porto, tendo antes mantido contactos telefónicos entre si.
29.Na execução do planeado, nesse mesmo dia 9 de Fevereiro de 2019, após o encontro nas …, ao início da tarde, os arguidos D…, C… e E…, dirigiram-se ao 3º andar do imóvel sito no nº … da Rua … – qual acederam com o uso da chave da porta exterior do prédio que lhes foi facultada pelo arguido B… - e ali, munidos de uns documentos e de dois cheques visados, no valor global de € 10.000, 00, solicitaram aos filhos da inquilina M…, Q… e U…, que aquela subscrevesse o acordo de cessação do contrato de arrendamento.
30. Como os filhos da inquilina recusaram o recebimento dos referidos cheques e que a M… assinasse os documentos, o tom dos arguidos passou a ser agressivo e intimidatório, tendo o arguido D… verbalizado, dirigindo-se nomeadamente ao Q…: “vocês ou saem daqui a bem ou saem a mal! Arranjamos umas carrinhas e carregamos tudo”.
31. Perante a conduta agressiva dos arguidos e temendo o comportamento destes, U…, chamou a entidade policial ao local. Enquanto aguardavam pela PSP, os filhos da inquilina mantiveram a conversa com os arguidos no r/c do prédio, local para onde todos desceram, entretanto.
32. Já no exterior do edifício, o arguido D… dirigiu ao assistente Q… as seguintes expressões: “tás fodidinho, não sabes com quem te meteste, não sabes o que te vai acontecer.”
33. Quando se encontravam no local, às 14h11m o arguido B… contactou telefonicamente com o arguido C… e, às 14h50, contactou com o arguido E…, em ambas as situações querendo saber se tinham logrado o seu propósito de obter a assinatura do acordo de cessação do contrato de arrendamento encontrando-se o arguido B…, durante esse período, nas imediações do local, mais concretamente na Rua ….
34. Em virtude da acção dos arguidos D…, C… e E… não ter logrado o efeito pretendido – a assinatura do contrato com vista à desocupação do imóvel pela inquilina e sua família – o arguido B… decidiu então atear fogo ao edifício, a fim de desocupar o locado, destruindo-o.
35. O arguido B…, decidiu levar a cabo tal ação durante a madrugada, de modo a evitar que a deflagração do incêndio fosse detetada.
36. O arguido B… sabia que o prédio em questão se inseria numa linha contígua de prédios antigos, construídos com materiais inflamáveis (v. g. madeira), e sabia ainda que, à data dos factos, o acesso à Rua … estava vedado à circulação de viaturas, encontrando-se bloqueado por taipais (na verdade, tal acesso, pelo menos por veículos, só poderia ser efetuado através da Rua …), dificultando qualquer auxílio a prestar.
37. Facto dado como não provado. Passou para a rubrica dos não provados com a designação ff).
38. No dia 23 de Fevereiro de 2019, pelas 23h29, o arguido C… deslocou-se ao Z…, onde se reuniu com o arguido B….
39. Dali, seguiram para o estabelecimento de diversão nocturna denominado “AB…”, onde permaneceram algumas horas.
40. Assim, de acordo com as instruções dadas pelo arguido B…, no dia 24 de Fevereiro de 2019, entre as 02h00 e as 03h00, pessoas não identificadas, agindo sob as ordens e orientações do arguido B…, utilizando a chave que por este lhes foi entregue, e sabendo que os residentes ali se encontravam, entraram no imóvel sito na Rua …, nº …, e ao nível do 1º piso, usando um produto acelerante da combustão de características não concretamente apuradas, derramaram-no sobre o lambrim de madeira com cerca de 30 cm de altura, junto de uma caixa elétrica aí existente mas desactivada e atearam fogo no imóvel, o qual, por motivos alheios à sua vontade, apenas não provocou mais danos, por ter tido uma fraca evolução e devido à intervenção dos bombeiros, que foram chamados por terceiros.
39. Em virtude da sua ação não ter, de novo, logrado o efeito pretendido, o arguido B… decidiu atear outro fogo ao edifício, com vista à destruição do locado.
40. Assim, e de acordo com as instruções dadas pelo arguido B…, no dia 2 de Março de 2019, entre as 03h00 e as 04h30, utilizando a chave que o arguido B… lhes havia entregue, e sabendo que os residentes ali se encontravam, indivíduos não identificados, actuando sob as ordens e orientações daquele, entraram no imóvel sito na Rua …, nº …, e ali provocaram incêndio em três pontos distintos da escadaria do prédio de acesso ao 3º andar, em estruturas de madeira (escadaria e painéis de apoio), com recurso a rega com produto acelerante da combustão de características não concretamente apuradas e adição de chama, cuja evolução foi inicialmente insidiosa pela hora a que ocorreu e posteriormente descontrolada.
41. Os pontos de início do incêndio localizaram-se junto à porta de acesso ao 3º piso, bloqueando assim o único ponto de fuga possível para os assistentes ali residentes, ficando estes, assim, encurralados no interior da habitação.
42. O alerta do incêndio junto dos bombeiros verificou-se às 04h35, tendo o seu acesso ao local sido dificultado pela existência de taipais decorrentes das obras que decorriam na Rua ….
43. M… e Q… lograram refugiar-se na varanda do 3º piso, e N… conseguiu alcançar o telhado, tendo sido os três resgatados, com recurso a meios mecânicos elevatórios dos Bombeiros, uma vez que não tinham outro meio de sair da habitação.
44. Após o resgate destes três ofendidos, na sequência do incêndio que deflagrava ocorreu uma explosão que fez com que parte do interior do edifício derrocasse.
45.No decurso do incêndio, S… deslocou-se para a janela das águas furtadas a pedir auxílio, não tendo sido possível o seu resgate. Não obstante a intervenção dos bombeiros, apenas se logrou encontrar o corpo carbonizado de B… no dia seguinte, pelas 17h00, momento em que, após a extinção do incêndio, foi possível aceder às águas furtadas do edifício, onde se encontrava.
46.O incêndio ateado ao edifício sito no nº … da Rua …, conforme planeado pelo arguido B…, tomou grandes proporções, propagando-se através da área do telhado ao edifício contíguo, sito no nº … da mesma artéria, atingindo o 3º piso deste edifício, onde residiam P… e O…, que se encontrava grávida.
47. O incêndio apenas não se propagou a outros edifícios contíguos face à intervenção dos bombeiros.
48. O incêndio provocou, de forma direta e necessária:
- no prédio sito com o nº …, o abatimento de parte do 3º piso e das águas furtadas, a total destruição do 2º piso e vários danos no 1º piso;
- no prédio sito no nº … a destruição da cobertura, com a consequente derrocada sobre o 3º piso, queda parcial do revestimento dos tectos em estuque ao nível do 1º e 2º, piso, infiltrações de água ao nível dos pavimentos, teto falso em gesso cartonado do r/cem risco de queda devido a ocorrência de infiltrações; os elementos da fachada ficaram em risco de queda para a via pública.
49. O incêndio foi ainda causa direta e necessária:
- para o ofendido S…, das lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 1213-21, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente, ao nível do hábito externo:
- cabeça: carbonização generalizada dos tecidos moles e exposição óssea. Ausência de calote craniana na região parietal direita, com 7,5 por 6cm de maiores dimensões, com exposição de duramáter e massa encefálica. Perda parcial da tábua externa da calote craniana da região parietal esquerda com 7 por 4,5cm de maiores dimensões.
- pescoço, abdómen e região ano-genital: carbonização generalizada dos tecidos moles.
- tórax: carbonização generalizada dos tecidos moles. Exposição óssea e de tecidos pulmonar e diafragmático através dos espaços intercostais do hemitórax direito.
- membros superiores e inferiores: carbonização generalizada dos tecidos moles e exposição óssea.
. ao nível do hábito interno:
- cabeça:
. partes moles: carbonização generalizada.
. ossos da cabeça – abóboda: presença de fratura, com área de janela óssea, na região parietal direita, de bordos irregulares, granulares, fissurados, sem infiltração sanguínea dos bordos, aspetos compatíveis com fratura produzida pelo calor.
(…)
. meninges: presença de solução de continuidade ligeiramente arredondada na duramáter na região interparietal, por onde se exterioriza massa encefálica.
. encéfalo: encéfalo globalmente endurecido e desidratado, com perda da normal configuração nas regiões tem poro-parietais bilateralmente, com exteriorização de tecido encefálico além dos normais limites do mesmo, nomeadamente através da solução de continuidade na duramáter, referida anteriormente. Ao corte, endurecido e desidratado, com perda da normal configuração do parênquima tem poro-parietal bilateralmente, aspectos compatíveis com ação do calor. Vasos da base íntegros sem alterações macroscópicas aparentes.
(…)
. cavidade oral e língua: Língua com deposição de negro de fumo.
(…)
- pescoço:
. tecido celular subcutâneo, músculos, vasos e nervos: Carbonização generalizada.
(…)
. estruturas cartilagíneas: Epiglote com mucosa desidratada e deposição de negro de fumo. Sem sinais de lesões traumáticas aparentes.
. laringe e traqueia: Laringe com mucosa desidratada, contendo negro de fumo depositado na mucosa, em grande quantidade, e fuligem. Traqueia com coloração vinosa.
(…)
. faringe e esófago: contendo negro de fumo depositado na faringe. Esófago sem alterações macroscópicas aparentes.
(…)
- tórax:
. paredes, esterno, clavículas, cartilagens e costelas: carbonização generalizada, sem sinais de lesões traumáticas aparentes.
. pericárdio e cavidade pericárdica: Coloração vinosa. Contendo líquido avermelhado vestigial
. coração: Peso e dimensões superiores ao normal, aspectos compatíveis com cardiomegalia. Sem evidência de lesões traumáticas no epicárdio. Miocárdio apresenta, nas diferentes secções de corte, tonalidade vinosa, com área concêntrica de endocárdio de coloração avermelhada mais clara. Septo interventricular: 10 mm.
(…)
. artérias coronárias: Óstios patentes, em número e localizações normais. Presença de placas de ateroma calcificadas excêntricas na artéria descendente anterior da artéria coronária esquerda, condicionando obstrução luminal máxima de 25%. Ramo circunflexo da artéria coronária esquerda sem alterações. Presença de placas de ateroma calcificadas excêntricas no terço inicial da artéria coronária direita com obstrução máxima de 50%.
. artéria aorta: Coloração vinosa, com estrias Iipídicas dispersas na aorta torácica.
. artéria pulmonar: Sem evidência de tromboembolia nas áreas observadas do tronco comum. Sem outras aIterações macroscópicas aparentes.
(…)
. traqueia e brônquios: Coloração vinosa, contendo negro de fumo depositado na mucosa, em grande quantidade, e fuligem, estendendo-se os mesmos para a restante via aérea.
. pleura parietal e cavidade pleural direita: Carbonização generalizada. Sem derrame na cavidade pleural.
. pleura parietal e cavidade pleural esquerda: Carbonização generalizada. Aderências fibrosas entre a pleura parietal e a pleura visceral na superfície lateral, posterior, inferior e superior. Sem derrame na cavidade pleural.
. pulmão direito e pleura visceral: Superfície pulmonar de coloração vermelho escuro.
Presença de pigmento antracótico disperso. Parênquima hipocrepitante. Revela edema na superfície das secções de corte e presença de secreções escuras espessas. Peso: 820g
. pulmão esquerdo e pleura visceral: Superfície pulmonar de coloração vermelho escuro. Presença de pigmento antracótico disperso. Parênquima hipocrepitante. Revela edema na superfície das secções de corte e presença de secreções escuras espessas. Peso: 690g
(…)
Diafragma: Desidratado e vinoso.
- abdómen
. paredes, peritoneu e cavidade peritoneal: Carbonização generalizada.
. epíplon e mesentério: coloração vinosa.
. fígado: superfície exterior lisa e vinosa e presença de área carbonizada com 6,5 por 5cm de maiores dimensões na face anterior do lobo direito. Ao corte observa-se congestão e coloração vinosa. Peso: 1420g.
. vesícula biliar: contendo bílis de coloração alaranjada, escassa, sem cálculos identificáveis. Parede vesicuIar sem alterações macroscópicas.
. estômago: contendo vestígios de uma papa acastanhada. Mucosa vinosa.
. intestinos: ansas intestinais com coloração vinosa. Apêndice ileocecal presente.
Apêndice ileocecal presente.
. pâncreas: superfície de coloração vinosa. Apresenta, na secção de corte, parênquima de coloração vermelha-vinosa, compatível com fenómenos de putrefação cadavérica. Peso: 150 g
. baço: cápsula lisa e vinosa. Superfície de corte com parênquima difluente compatível com fenómenos de putrefação cadavérica. Peso: 100g.
. rim direito: descapsulação fácil. Superfície lisa e vinosa. Superfície de corte com boa diferenciação cortico-medular e infiltração adiposa escassa da árvore pielocalicial. Peso: 140g
. rim esquerdo: descapsulação fácil. Superfície lisa e vinosa. Superfície de corte com boa diferenciação cortico-medular e infiltração adiposa escassa da árvore pielocalicial.
Presença de quisto urinífero no bordo externo, peri-centimétrico. Peso: 140g
(…)
. bexiga: contendo 300 centímetros cúbicos de urina alaranjada turva. Mucosa vinosa.
(…)
. aorta abdominal: coloração vinosa, com placas de ateroma não calcificadas dispersas na aorta abdominal.
. vasos: coloração vinosa, com placas de ateroma não calcificadas dispersas nas artérias ilíacas externas.
(…)
50. O exame toxicológico realizado à amostra de sangue periférico para pesquisa de monóxido de carbono revelou-se positivo, comum a taxa de saturação em carboxihemoglobina de 65%.
51. As lesões acima descritas foram resultado da ação de agente térmico-chama em associação a intoxicação por monóxido de carbono, tudo provocado pela conduta do arguido B… e dos referidos indivíduos não identificados, que foram causa direta e necessária da morte de S….
52. - O incêndio foi também causa direta e necessária:
- para a ofendida M…, da sintomatologia descrita no relatório de psicologia de fls. 2287-9, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente:
A examinada padece de doença de Alzheimer, que é uma doença degenerativa do Sistema Nervoso Central”. (…)
Relativamente ao evento em análise, a examinada (em consequência de tudo o que fora anteriormente exposto) não tem memória para o evento em questão. (…)
Em todo o caso, ao não ter memória para o evento potencialmente traumático, que é o que origina os medos involuntários e a revivência do evento, não ocorre consolidação dessas memórias nem se intensifica o significado aversivo e o sofrimento que lhe está associado.
Por outras palavras, o que tende a acontecer em indivíduos expostos a situações potencialmente traumáticas que desenvolvem perturbação clínica grave é a frequente re-experienciação do evento traumático. É como que de um ciclo vicioso se tratasse – a frequente lembrança de memórias com significado emocional intenso é apontada como a responsável pela manifestação de fenómenos de re-experienciação do evento traumático.
O que, por sua vez, favorece o processo de consolidação posterior dessas mesmas memórias intensificando o significado aversivo das mesmas. Ao haver este bloqueio (no caso motivado pela doença) promove-se uma libertação emocional das memórias traumáticas e, consequentemente, a redução dos sintomas de perturbação.
De sublinhar, contudo, que a doença em questão não afeta todas as capacidades de memória de igual forma. As memórias mais antigas da vida da pessoa (memória episódica),os factos já aprendidos (memória semântica) e a memória implícita (a memória do corpo para realizar acções, como usar um garfo para comer) são menos afetadas pela doença, em comparação com novos factos ou memórias recentes. Assim se explica o facto de a examinada ficar visivelmente ativada do ponto de vista emocional quando é verbalizado o falecimento do filho no incêndio em análise. Mesmo não tendo a memória do evento em questão, a examinada evoca a representação de alguém em desespero a “tentar fugir do fogo” e que acaba consumido por ele – o que está associado com a memória semântica, nomeadamente com a representação mais imediata que construímos de alguém em agonia que tenta escapar de uma situação desta natureza. Este facto gere intenso sofrimento e mal-estar na examinada, mesmo na sua condição médica atual.”
53 – O incêndio foi também causa directa e necessária:
- para o ofendido Q…, da sintomatologia descrita no relatório de psicologia de fls. 2280-3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente:
“Relativamente ao evento em análise, os dados clínicos obtidos sugerem que o mesmo desencadeou uma reação grave e persistente no examinado, compatível com um quadro de perturbação de stress pós-traumático.
O evento em análise é descrito pelo examinado de forma sofrida e perturbadora. O evento desencadeou uma clara alteração do equilíbrio do examinado, deixando-o em franco sofrimento.
Conduziu a uma alteração marcada do sentimento de segurança e autossuficiência, assim como na ligação com os outros. Assiste-se no examinado a um aniquilamento dos mecanismos de adaptação e ao questionamento dos pressupostos básicos da vida, da justiça e da previsibilidade. Regista-se uma grave alteração da experiência emocional, cognitiva e comportamental. Observa-se também uma marcada confrontação com a vulnerabilidade de si próprio em relação ao mundo e consequentemente a alteração da conceção do mundo como um lugar seguro. De registar ainda a presença, no examinado, de sentimentos de grande angustia e culpa face ao falecimento do irmão (S…).
O examinado apresenta sinais e sintomas de medo; ansiedade; depressão; hiperestimulação; constrição e evitamento; anestesia emocional; irritabilidade fácil; insónias e pesadelos; revolta e culpa. O examinado recorda a experiência traumática de forma persistente
e involuntária; tem pesadelos e flashbacks frequentemente; tem reações desproporcionais perante pequenas coisas que fazem lembrar o acontecimento traumático; sente dificuldades em adormecer e manter o sono; vive num estado de alerta permanente. O examinado vive condicionado, apresentando uma postura de evitamento perante elementos potencialmente agressores, que se assemelham ao trauma experienciado. A perturbação apresentada pelo examinado envolve uma série de sintomas relacionados com a repetição e memórias, associadas a emoções negativas e perceções perturbadoras, que conduzem o examinado a um estado de ansiedade extrema e perda de controlo.
54. Admite-se um nexo de causalidade entre o evento em análise e a sintomatologia apresentada.
55. “A sintomatologia apresentada é incapacitante, e causa intenso sofrimento e mal-estar no examinado.”
56. – O incêndio foi também causa directa e necessária:
- para N…, da sintomatologia descrita no relatório de psicologia de fls. 2284-6, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente:
“O examinado apresenta-se compensado em termos psicopatológicos, atendendo a doença mental que apresenta (Esquizofrenia Paranóide). Cumpre com medicação prescrita.
Revela crítica quanto à doença e quanto ao tratamento.
Relativamente ao evento em estudo, o examinado relata-o de forma congruente e globalmente organizada, com ressonância emocional compatível com as situações descritas. O evento é descrito pelo examinado como um momento muito perturbador, gerador de grande angustia, ameaça e perda (nomeadamente do irmão, relatando ter ouvido o mesmo em agonia sem que o pudesse socorrer).
O evento descrito causa sofrimento emocional no examinado, particularmente exacerbado pela perda do irmão e pela perturbação que introduziu na dinâmica familiar, sobretudo numa altura em que a mãe está cada vez mais debilitada e dependente.
De referir, ainda, que a hiperativação noradrenérgica tem sido associada à desregulação do sono em indivíduos que desenvolvem perturbação psicológica decorrente da vivência e/ou exposição a acontecimentos traumáticos. No caso do examinado, o mesmo refere a existência de pesadelos, flashbacks e insónias pós-acidente em análise. Refere melhorias deste quadro com o reajuste que lhe foi efetuado na medicação diária e recomendação da retoma de terapia ocupacional.
Admite-se, por conseguinte, que os fármacos que o examinado se encontra a tomar podem estar a bloquear a atividade noradrenérgica exacerbada (tipicamente observada nestas situações), com melhoria no quadro clínico apresentado.”
57 – O incêndio foi também causa directa e necessária:
- para O…, da sintomatologia descrita no relatório de psicologia de fls. 2275-9, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente:
“os dados clínicos obtidos sugerem que o mesmo desencadeou na examinada trauma psíquico clinicamente significativo. (…)
No caso em concreto da examinada, a reação ao evento descrito envolve uma rutura perante si própria, a sua história, as suas raízes, os seus sonhos e projetos futuros. É muito marcante na examinada a perda da ilusão de continuidade, como uma suspensão da vida emocional.
A resposta ao evento envolve, ainda, sintomas de medo, ansiedade aumentada, hipersensibilidade a potenciais ameaças, e revivência emocional e comportamental do acontecimento traumático(e.g., lembranças intrusivas angustiantes, recorrentes e involuntárias do evento traumático; sonhos angustiantes recorrentes nos quais o conteúdo e e/ou o sentimento do sonho estão relacionados com o evento traumático; hipervigilância e resposta de sobressalto exagerada; reações fisiológicas intensas a sinais internos ou externos que simbolizam ou se assemelham a algum aspeto do evento traumático).
Os dados clínicos revelam também que as situações que se assemelham ao evento traumático, frequentemente, traduzem-se (para a examinada) num sofrimento psicológico intenso, independentemente do fator que tenha desencadeado esse sofrimento - algo que é típico nestas populações.
De sublinhar também a presença de uma dissociação peri-traumática muito intensificada na examinada, que diz respeito a um sentimento de irrealidade (manifestado por perda do sentido do tempo, comportamento automatizado, sentimentos de irrealidade, desligamento do corpo e flutuar por cima do acontecimento, falar sobre o acontecimento como se fosse a história de outra pessoa, sentir-se desencontrado de si próprio).
(…) a experiência traumática tornou-se tão intensa para a examinada, por toda a angustia que lhe está associada, que ainda não lhe foi permitido elaborar e simbolizar.

Enquanto isto não lhe for permitido, a examinada não poderá integrar esta experiência na sua trajetória de vida e não conseguirá adquirir o equilíbrio perdido em consequência da mesma.
Face a tudo o que fora anteriormente exposto, admitimos um nexo de causalidade entre a sintomatologia apresentada pela examinada e o evento em análise. Sublinhamos que a sintomatologia apresentada causa sofrimento clinicamente significativo e prejuízo nas várias áreas da existência da examinada.”
58. No dia 27 de Março de 2019, à noite, no interior do estabelecimento “W…”, o arguido B…, entregou 2.000€ no interior de um envelope, ao arguido D….
59. No dia 28 de Março de 2019, pelas 15h00, o arguido B… entregou quantia monetária de valor não apurado ao arguido C…, tendo esta entrega ocorrido no “AC…”, em Espinho.
60. No dia 10 de Junho de 2019, a arguida F…, mulher do arguido B…, e o arguido E… trocaram mensagens através da aplicação “iMessage”, tendo aquela referido que o arguido B… “não era uma boa pessoa e que tinha magoado muitas pessoas, porque fez uma coisa muito má”.
61. No dia 27 de Junho de 2019, pelas 08h45, na residência do arguido B…, sita na Avenida …, nº …, em Vila Nova de Gaia, foi encontrado:
- no hall de entrada, em cima de um móvel:
. um telemóvel, marca “Iphone”, modelo …, de cor rosa a que correspondem os IMEI’s …………… e ……………;
. um telemóvel da marca Iphone, modelo …, de cor rosa, com o IMEI ……………;
- no escritório:
um telemóvel da marca Iphone, modelo … de cor cinzenta, com o IMEI ……………;
- na sala:
. um computador portátil, marca ACER, modelo aspire …, de cor preta e com o nº de série ………………….;
- no quarto do arguido:
. um computador portátil MacBook Air – Apple, de cor cinzenta e modelo … com o nº de série …………;
. um telemóvel da marca Iphone, modelo … de cor branca, com o IMEI nº……………, sem qualquer cartão no seu interior;
. um telemóvel da marca Samsung, modelo …, de cor branca, com o IMEI nº ………………, sem qualquer cartão no seu interior.
62. Na mesma altura, na viatura de marca “Mercedes”, de matrícula ..-QX-.., pertencente ao arguido B…, que se encontrava estacionada na Avenida …, foi encontrado:
- no porta luvas, uma minuta de aditamento a contrato de promessa de compra e venda relativo ao imóvel, sito na Rua …, nº …, no Porto.
63. Também na mesma altura, na viatura de marca “Volkswagen”, de matrícula ..-IJ-.., pertencente ao arguido B…, e que se encontrava estacionada na Avenida …, foi encontrado:
- no interior de uma mica plástica transparente, duas fotocópias de um cartão de cidadão e de um cartão de livre–trânsito de agente da PSP, identificado como tratando-se de AD…, portador do CC nº ………… e livre-trânsito/PSP nº …….
64. No dia 27 de Junho de 2019, pelas 08h30, na posse do arguido C…, foi encontrado um telemóvel, marca “Iphone”, modelo …, com o IMEI …………….
65. Também no dia 27 de Junho de 2019, pelas 08h30, na residência do arguido D…, sita na Rua …, nº .., 4º Dtº, Porto, foi encontrado um telemóvel, marca “Iphone”, modelo …, com o IMEI …………….
66. Ainda no dia 27 de Junho de 2019, na sede da sociedade comercial, “G… – Unipessoal, Ldª”, sita na Rua …, n.º …, Bloco ., Hab. …, ….-… … - Vila Nova de Gaia, que corresponde à residência de AE…, este entregou uma cópia de um contrato-promessa de compra e venda, referente à habitação onde ocorreram os factos.
67. Neste dia 27 de Junho de 2019, pelas 08h40, na residência do arguido E…, sita na Rua …, nº …, …, V. N. de Gaia, foi encontrado:
- no quarto do arguido:
. um computador marca “Asus”, modelo …, com o respectivo carregador e estojo preto em tecido;
. um telemóvel marca “Iphone”, com o IMEI ……………, com cartão Sim da Operadora AF… nº …………, sem carregador.
68. A 26 de Agosto de 2019, a arguida F…, como legal representante dos arguidos B… e “G…, Unipessoal, Lda.”, celebrou com AG…, na qualidade de representante da sociedade “AH…, Ldª.”, a escritura de venda do imóvel sito na Rua … n.º …, no Porto, pelo preço prometido de 1.200.000€ (um milhão e duzentos mil euros), isto é com uma valorização sobre o preço de aquisição de cerca de 100%.
69. A sociedade “AH…, Ldª.” é detida em partes iguais por V… e AG….
70. A sociedade “G… - Unipessoal, Ldª.” é titular da conta n.º ……….. do T…, aberta em 10 de Outubro de 2016, na qual foram recebidos os pagamentos relativos à venda do imóvel em causa, a saber:
- em 29 de Novembro de 2018, a quantia de 60.000€, por depósito de cheque;
- em 21 de Dezembro de 2018, a quantia de 40.000€, por transferência recebida de V…;
- em 1 de Abril de 2019, a quantia de 60.000€, por transferência com origem em conta de V… junto da AI…;
- em 29 de Agosto de 2019, a quantia de 1.040.000€, pelo depósito de um cheque bancário emitido pelo T…, pago por débito de uma conta de V… junto do mesmo banco, para onde tinham sido transferidos fundos, designadamente com origem em França.
71. Após o recebimento desta parte final do pagamento do preço, isto é, do montante de 1.040.000€, a conta da “G… - Unipessoal, Ldª.” junto do T… passou a registar um saldo de 1.078.884,21€.
72. Posteriormente, o arguido B…, por si e na qualidade de legal representante da “G… – Unipessoal, Ldª.”, decidiu movimentar os fundos da conta da referida sociedade para a conta pessoal do arguido, também do T…, com o nº ……….. e, posteriormente, para a China.
73. A arguida F… é procuradora do arguido junto do T….
74. Deste modo, entre o dia 6 de Setembro de 2019 e 1 de Outubro de 2019, a arguida realizou treze transferências de 50.000€ cada – no valor global de 650.000€ -, entre a conta nº ……….. da “G…, Unipessoal, Ldª.” e a conta pessoal do arguido B… com o nº ……….., ambas do T…, justificando a operação bancária como pagamentos de dívidas que a arguida “G… – Unipessoal, Ldª.” tinha para com este arguido.
75. Em 28 de Novembro de 2016, o arguido B… transferiu da sua conta pessoal para a conta da sociedade G…, Unipessoal, Ld.ª a quantia de € 640.000,00.
76. A 28 de Novembro de 2016, sociedade G…, Unipessoal, Ldª, por seu turno, emitiu o cheque bancário nº ………., no valor de € 645.000,00.
77. Em 10 de Outubro de 2019, conforme acordado com o arguido B…, a arguida F… deu instruções ao T… relativas à conta pessoal daquele arguido de transferência de fundos, cada uma no valor de 300.000€, no montante total de 600.000€, com destino à China, e que o T… se absteve de executar, tendo dado origem à suspensão de operações bancárias judicialmente determinada.
78. A conta nº ……….. titulada pelo arguido B… apresentava, em 16.10.19, um saldo de 594.840,67€, que lhe permitia satisfazer a primeira das transferências a débito para a China, no montante de 300.000€.
79.Na mesma data, a conta nº ……….. titulada pela arguida “G… – Unipessoal, Ldª.” apresentava um saldo de 340.085,45€.
80. Os arguidos B…, C…, D… e E… agiram de forma livre e consciente, em conjugação de esforços e de comum acordo, com o propósito de obrigarem a ofendida U… e o assistente Q… a convencer a mãe de ambos, M…, a subscrever o acordo de desocupação do imóvel, proferindo, para o efeito, expressões intimidatórias, bem sabendo que os seus comportamentos eram adequados a provocar medo e receio a U… e Q…, e, por força forçarem a progenitora a assinar o acordo, o que não ocorreu, apenas por motivos alheios às suas vontades não ocorreu. (coacção tentada)
81. O arguido B…, agiu ainda de forma livre e consciente, querendo provocar o incêndio do imóvel acima identificado, a fim de destruir o locado, bem sabendo que o incêndio assim ateado causaria necessariamente a morte das pessoas que se encontrassem no seu interior, o que na primeira data – em 24.02.19 - o arguido apenas não logrou por motivos alheios à sua vontade. (incêndio tentado-1º incêndio).
82. Já em 02.03.19, o arguido B…, fez deflagrar incêndio sobre o referido edifício, com o propósito de destruir o locado, sabendo que com isso causaria necessariamente a morte dos seus habitantes – a saber M…, Q…, N… e S… - o que veio a acontecer quanto a S…, por forma a desocupar o prédio sua pertença bem sabendo que tal conduta era idónea para aquele efeito, quer por via de asfixia ou de queimaduras graves, resultado que aceitou como necessário (incêndio e homicídios consumado e tentados).
83. O arguido só não provocou a morte de M…, Q… e N…, por circunstâncias alheias à sua vontade. (homicídio tentado quanto aos sobreviventes do prédio nº …).
83-A. O arguido B… sabia – não podia ignorar - que o incêndio ateado alastraria aos prédios contíguos. O arguido B… não podia deixar de admitir como possível que o edifício nº … da Rua … era habitado por alguém, admitindo como cenário (possibilidade) a morte dos ocupantes (O… e P…), conformando-se com esse facto – facto novo
83-A. O arguido só não provocou a morte dos residentes do 3º andar do prédio contíguo, com o nº … da Rua …, de nome P… e O…, que se encontrava grávida, por circunstâncias alheias à sua vontade – facto novo.
(homicídio tentado dos dois ocupantes do 3º andar do prédio nº …)
84. O arguido agiu da forma descrita, sabendo que que a sua conduta revelava especial perversidade e censurabilidade e que a morte nestas circunstâncias, seria forçosamente precedida de grande desespero, sofrimento e agonia provocados pelas queimaduras e pela inalação de gases tóxicos.
85. O arguido B… determinado que estava em desocupar o imóvel pelo fogo, aceitando como necessária a morte dos seus habitantes agiu com desprezo pela vida e sofrimento alheios, que não hesitou sacrificar para a realização daquele objetivo.
85-A. Efectivamente o arguido B… pretendia desocupar o imóvel pelo fogo e por isso representou como consequência necessária da sua conduta a morte dos residentes no prédio - facto novo.
85-B. O arguido não desconhecia que o acesso ao local (Rua …) estava dificultado pela existência de taipais decorrentes das obras no AJ… e que o fogo, depois de ateado, podia propagar-se através da área do telhado ao edifício contíguo, sito no nº … da mesma artéria, atingindo o 3º piso deste edifício, onde residiam aqueles identificados inquilinos, aliás o incêndio apenas não se propagou a outros edifícios contíguos, face à intervenção dos bombeiros - facto novo.
86. O arguido B… agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
86-A. Os arguidos B… e F… actuaram de forma livre, em conjugação de esforços e na execução de um plano previamente elaborado, exprimindo e vinculando a vontade da arguida “G… - Unipessoal, Lda.”, e procurando a satisfação dos interesses desta, ao movimentar os fundos da conta desta sociedade para a conta pessoal do arguido B… e, posteriormente, para a China, sabendo que os mesmos eram uma vantagem indireta do cometimento de atos ilícitos típicos, tinham o intuito de mascarar a origem ilícita do dinheiro, e visavam dispersar os ganhos alcançados com o negócio imobiliário possibilitado pela prática de crimes, colocando-os num sistema financeiro onde os mesmos se tornam impossíveis de rastrear. (branqueamento de capitais) - facto novo
86-B- Os arguidos B… e F… pretendiam transferir para a conta pessoal do arguido B…, a quantia de € 340.085,45, existente na conta da sociedade G…, de forma a terem saldo para uma segunda transferência de 300.000€ para a China, que pretendiam executar
86-C. Sabiam estes arguidos que as quantias monetárias movimentadas tinham origem na vantagem resultante do incêndio do prédio, querendo com este comportamento escamotear a sua verdadeira origem, sabendo que esta conduta era proibida e punida por lei – facto novo.
87 C. Por via da prática dos crimes – entrega do imóvel livre de pessoas e encargos - o arguido teve uma vantagem patrimonial no valor de 555.000,00 € - facto novo.
87. Do CRC dos arguidos F…, E… nada consta.
88.Por sentença proferida a 23 de Outubro de 2019, transitada em julgado em 22 de Novembro de 2019, foi o arguido D… condenado na pena de 60 dias de multa pela prática de um crime de desobediência.

Factos 89/189: Da condição social dos arguidos.
Factos: 200/248: Pic,s (pedido de indemnização civil)

Do requerimento de perda alargada
249. No período de 2015 a 2018, o arguido B… declarou os seguintes rendimentos à Administração tributária:
- no ano de 2015, € 3.450, 00;
- no ano de 2016, € 7.510, 23;
- no ano de 2017, € 28.665, 00;
- no ano de 2018, o rendimento de € 300, 27;
250. No ano de 2015 a 2018, a arguida F… não declarou, nem foram comunicados à Administração Tributária quaisquer rendimentos.
251. A arguida G… – Unipessoal, Ldª , de que o arguido B… é único sócio e gerente, iniciou a actividade em 2016, apresentando, nesse ano o prejuízo fiscal de € 21.599, 34.
252. No ano de 2017, apresentou um total de rendimento de € 5.835, 28 e um prejuízo fiscal de € 21.599,34;
253. No ano de 2018, apresentou um total de rendimentos de € 1.305,42 e um prejuízo fiscal de € 33.440,86.
254. No referido período o arguido B… realizou movimentos bancários e financeiros a crédito, na conta de que é titular no T…, com o nº ……….., nos montantes globais de:
255. 607.750,00 €, no ano de 2015,
256. A 2 de Abril de 2015, a conta foi creditada com o valor de €230.000,00 e € 370.000,00, proveniente do AK…
258. 700.918, 69, no ano de 2016;
259. A 10 de Outubro de 2016 a conta foi creditada com o valor de € 26.600,00, proveniente do AK1…, sendo o ordenante AL…
260. A 13 de Outubro de 2016, a conta do arguido foi creditada com o valor de € 44.300,00, proveniente do AK1…, sendo o ordenante AM….
261. A 17 de Outubro de 2016, a conta do arguido foi creditada com o valor de € 5.700,00, proveniente do AK1…, sendo o ordenante AL….
262. A 31 de Outubro de 2016 a conta foi creditada com a quantia de € 271.745,59, proveniente do AO…, sendo a ordenante AP…, e o motivo da transferência descrito como: para o seu filho para comprar propriedade.
263. A 9 de Novembro de 2016, a conta o arguido foi creditada com o valor de € 67.659,00, proveniente do AQ…, sendo o ordenante AS…
264. A 15 de Novembro de 2016, a conta do arguido foi creditada com o valor de 162.600,00, proveniente do AK…, sendo o ordenante B….
265. A 22 de Novembro de 2016, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 90.000,00, proveniente do AK…, sendo o ordenante B….
266. - 273.012, 04, no ano de 2017;
267. A 3 de julho de 2017, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 9980,00, proveniente do AK…, sendo o ordenante B….
268. A 13 de julho de 2017, a conta do arguido foi creditada com a quantia de 31.280,00, proveniente do AK…, sendo o ordenante AT….
269. A 21 de Novembro de 2017 a conta do arguido foi creditada com valor de € 21.131,29, relativo a venda de títulos em bolsa.
270. A 28 de Novembro de 2017, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 37.962,00, proveniente do AK1…, sendo o ordenante B….
271. 778.453,00, no ano de 2018,
272. A 15 de Fevereiro de 2018, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 96.980,00, proveniente do AK…, sendo o ordenante B….
273. A 11 de Maio de 2018, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 9.985,00 proveniente do AK1…, sendo o ordenante AS….
274. A 8 de junho de 2018, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 7.985,00 proveniente do AK1…, sendo o ordenante AS….
275. A 28 de Setembro de 2018, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 639.988,00, proveniente do AO…, sendo o ordenante B…, constando nos detalhes da transferência que “o cliente vendeu propriedade e mudou-se para Portugal”.
278. Sendo o total dos três anos de € 2.360.133,73 €
279. Em 22 de Novembro de 2019, esta conta apresentava um saldo de € 3.175,86.
280. Outrossim, no referido período, a arguida G… –Unipessoal, Ldª realizou movimentos bancários e financeiros a crédito, na conta de que é titular no T…, com o nº ……….., nos montantes globais de:
- 6.892,35 €, no ano de 2017;
-102.248,44 €, no ano de 2018,
No total de € 109,140,79;
281. A arguida F… é titular da conta nº …………., do T…, que em 22 de Novembro de 2019, apresentava um saldo de € 474,64.
282. Entre 2 de abril de 2015 e 4 de Março de 2019, as entradas de capital (transferências credoras) na conta nº …………., de que é titular o arguido B… totalizaram a quantia de € 1.705.085,92.
283. Entre 2016 e 2018, o arguido B… transferiu da sua conta pessoal (nº………..) para a conta da arguida G… –Unipessoal, Ldª (………..) o montante global de € 913.900,00.
284. Entre 2017 e 2019, o arguido, na qualidade de legal representante da arguida G…, Unipessoal, Ldª, transferiu da conta desta (………..) para a sua conta pessoal (…………), o valor global de €786.633,08.
285. Em 12 de Maio de 2015, o arguido B… adquiriu o prédio urbano sito na Rua … e Rua …, Leiria (fracção AF – divisão destinada a comércio sita no piso 1 e dois lugares de estacionamento no piso menos um) pelo valor de € 100.000,00; o prédio urbano sito na Rua … e Rua …, … (fração AG-divisão destina a comércio sita no piso 1 e dois lugares de estacionamento no piso mens um), pelo valor de € 100.000,00; prédio urbano sito na Rua … e Rua ..., … (fracção AH – divisão destinada a comércio sita no piso 1 e três lugares de estacionamento no piso menos um), pelo valor de € 150.000,00; o prédio urbano sito na Rua … e rua …, … (fração U) destinada a comércio sita no piso 1 e dois lugares de estacionamento sitos no piso menos um) pelo valor de € 200.000,00.
286. Em 11 de maio de 2017, este arguido adquiriu o prédio urbano sito na Avª …, nº …, …, V.N.G.(casa de r/c e andar, anexos e logradouro), pelo valor de € 295.000,00.
287. Em 29 de dezembro de 2017, o prédio urbano sito na Rua …, nº ., …, Lisboa (fracção V- terceiro andar porta A, Habitação), pelo valor de € 270.000,00.
288. O arguido B… adquiriu ainda:
- Em 20.06.18, o veículo com a matricula ..-UJ-.., marca Volkswagen, modelo …, avaliado em € 33.990,00;
- Em 21 de Novembro de 2018, o veículo de matrícula ..-QX-.., marca Mercedes- Benz, modelo …, avaliado em € 77.900,00.
289. Por sua vez, a arguida G… –Unipessoal, Ld.ª adquiriu:
- Em 12 de Dezembro de 2016, o prédio urbano na Rua …, nº .. a …, Porto, constituída por uma moradia de três andares e águas furtadas, pelo valor de € 645.000,00, que vendeu em 26 de Agosto de 2019, pelo valor de € 1.200.000,00.
- Em 31 de Julho de 2017, o prédio urbano sito na Avª …, … em Vila Nova de Gaia, no valor de € 20.000,00;
- Em 4 de Janeiro de 2019, o prédio urbano sito na Avnº …, nº …, em Vila Nova de Gaia, com lugar de garagem na cave, no valor de € 4.500,00.
(…)
Factos não provados
Dos factos descritos na acusação, nos pedidos de indemnização civil e nas contestações, com relevo para a decisão a proferir, não se provaram quaisquer outros, designadamente os seguintes:
a) O encontro dos arguidos dos arguidos B…, D… e C.. no dia 3 de Fevereiro de 2019, pelas 17h 00m, no X…, na zona …, no Porto, teve como escopo acordarem no plano de desocupação do imóvel sito no nº …, da Rua ….
b) A proposta apresentada pelo arguido B… ao assistente Q… e à testemunha U…, para desocupação da habitação, consistia no pagamento da quantia de € 10.000.
c) No dia 9 de Fevereiro de 2019, Q… chamou a entidade policial sem que os arguidos se apercebessem.
d) O arguido B… passou a frequentar o estabelecimento de diversão nocturna W… com o propósito de ganhar confiança com os arguidos D… e C… e estes o auxiliarem na desocupação do prédio).
e) Em virtude de a acção dos arguidos C…, D… e E… não ter logrado o efeito pretendido o arguido B… decidiu matar a inquilina e a sua família.
f) Para o efeito, o arguido B… acordou com os arguidos C… e D… que levariam a efeito tal desiderato, mediante contrapartida monetária de valor não concretamente apurado, o que estes aceitaram.
g) Os arguidos C… e D…, sob as ordens e orientações do arguido B… decidiram que levariam a cabo tal acção durante a madrugada, hora do sono profundo dos residentes, cujos hábitos conheciam, e bem assim de modo a evitar que a deflagração do incêndio fosse detectada.
h) Assim, na execução que havia decidido, no dia 24 de Fevereiro de 2019, entre as 02h00 e as 03h00, utilizando a chave que o arguido B… possuía e entregou ao arguido C… momentos antes no Z…, e sabendo que os residentes ali se encontravam, os arguidos C… e D… entraram no imóvel sito na Rua …, n.º …, e ao nível do 1º piso, usando um produto acelerante da combustão de características não concretamente apuradas, derramaram-no sobre o lambrim de madeira com cerca de 30 cm de altura, junto de uma caixa elétrica aí existente mas desactivada e atearam fogo no imóvel, o qual, por motivos alheios à vontade dos arguidos, apenas não provocou mais danos, por ter tido uma fraca evolução e devido à intervenção dos bombeiros, que foram chamados por terceiros.
i) Em virtude de a sua acção não ter, de novo, logrado o efeito pretendido, o arguido B… decidiu matar os habitantes do imóvel, no que os arguidos C… e D… acordaram participar.
j) Os arguidos, D… e C… pelos motivos supra referidos e sempre sob as orientações e instruções do arguido B…, decidiram novamente levar a cabo tal ação durante a madrugada.
l) Assim, na execução do planeado, no dia 2 de Março de 2019, entre as 03h00 e as 04h30, utilizando a chave que o arguido B… possuía e sabendo que os residentes ali se encontravam, os arguidos D… e C… entraram no imóvel sito na Rua …, nº …, e ali provocaram incêndio em três pontos distintos da escadaria do prédio de acesso ao 3º andar, em estruturas de madeira (escadaria e painéis de apoio), com recurso a rega com produto acelerante da combustão de características não concretamente apuradas e adição de chama.
m) A quantia de € 2.000,00 entregue pelo arguido B… ao arguido D… corresponde à contrapartida pela participação deste nos factos.
n) A quantia entregue pelo arguido B… ao arguido C… corresponde à contrapartida pela participação deste nos factos.
o) Facto remetido para a rubrica dos provados (86-B).
p) Os arguidos C… e D… agiram de forma livre e consciente, em conjugação de esforços e de comum acordo, querendo provocar o incêndio do imóvel acima identificado, bem sabendo que o incêndio assim ateado iria provocar a morte das pessoas que se encontravam no seu interior, o que na primeira data, 24 de Fevereiro de 2019, os arguidos apenas não lograram por motivos alheios à vontade.
q) Já em 2 de Março de 2019 os arguidos C… e D…, de acordo com as instruções e plano do arguido B…, fizeram deflagrar incêndio sobre o referido edifício, com o propósito de tirar a vida aos seus habitantes, o que lograram fazer quanto ao ofendido S… e assim desocupar o prédio pertença do arguido B…, bem sabendo que tal conduta era idónea para aquele efeito, quer por via de asfixia quer por queimaduras graves, resultado que quiseram e ao qual aderiram.
s) Os arguidos C… e D… sabiam ainda que o incêndio ateado se estenderia aos prédios contíguos, sabendo que os mesmos também tinham habitantes, o que admitiram como possível e com o que se conformaram, apenas não tendo provocado a morte a O… e P…, por circunstâncias alheias à sua vontade.
t) Os arguidos C… e D… agiram da forma descrita, sabendo que a sua conduta revelava especial perversidade e censurabilidade e que a morte nestas circunstâncias, seria forçosamente precedida de grande desespero, sofrimento e agonia provocados pelos gases tóxicos.
u) Os arguidos C… e D…, determinados que estavam em levar a cabo o plano do arguido B…, agiram com desprezo pela vida e sofrimento alheios, que não hesitaram sacrificar para a realização daquele objectivo.
v) Os arguidos C… e D… agiram em comunhão de esforços com o arguido B…, no que respeita aos incêndios e respectivas consequências, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
x) e z) Estes dois factos referentes ao branqueamento de capitais passaram a figurar na rubrica de factos provados.
bb) Os arguidos C… e D… sabiam ainda que o incêndio ateado se estenderia aos prédios contíguos, sabendo que os mesmos também tinham habitantes, o que admitiram como possível e com o que se conformaram, apenas não tendo provocado a morte de O… e P…, por circunstâncias alheias às suas vontades.
cc) No período que antecedeu os incêndios que deflagraram no nº …, da Rua …, S… não conseguiu comer, dormir e praticar atos da vida corrente.
dd) Os € 2.000,00 entregues pelo arguido B… ao arguido D… constituíram um empréstimo contraído para este fazer face às despesas no arranjo do veículo automóvel de matrícula ..-XE-...
ee) Este valor foi integralmente pago pelo arguido E… ao arguido B….
ff) O arguido B… apagou as conversações que manteve com o arguido E…, com recurso à aplicação WhatsApp, durante esse período. (facto que havia sido dado como provado com o nº 37).

Motivação (…)

Enquadramento jurídico-penal. (…)

Da apreciação de mérito.
A apreciação do objecto dos recursos afere-se pelas conclusões. A motivação enuncia os fundamentos do recurso e termina com a formulação de conclusões – artº 412 nº 1 do CP.
Os recursos partem do dispositivo que tem o seguinte conteúdo:
Da absolvição dos arguidos:
- B…, C…, D… e E…, da prática em co-autoria material de um crime de extorsão, p.p. pelo artº 22, 23, 223, nº 1 e 3 alª a), com referência ao artº 204, nº 2, alª a) do CP.
- D… e C… da prática em co-autoria material e concurso real de, um crime de incêndio na forma tentada, p.p. pelo artº 22, 23, 272, nº 1, alª a) do C.P., um crime de incêndio, na forma consumada, p.p. pelos artº 272, nº1, alª a) e 285, do CP, um crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artº 131, 132, nº1 e 2, alªs e) e h), do CP. e cinco crimes de homicídio qualificado na forma tentada, p.p. pelos artºs 131 e 132, nºs 1 e 3, alªs c) e h), do C.P.
- B…, da prática, em co-autoria material e concurso real, de dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. pelos artºs 131 e 132, nºs 1 e 3, c) e h), do CP.
- B…, da prática, em co-autoria material, de um crime de branqueamento, p.p. pelo artºs 368-A, nºs 1 e 2, do CP;
- F…, da prática, em co-autoria material, de um crime de branqueamento, p.p. pelo artº 368º-A, nºs 1 e 2, do C.P.
- G…, Unipessoal, Ldª pela prática, em autoria material de um crime de branqueamento, p.p. pelo artº 368-A, nºs1 e 2, do CP.

Da condenação dos arguidos;
- B…:
a) pela prática em co-autoria material, de um crime de coação na forma tentada, p.p. pelo artºs 22, 23, 154, nºs 1 e 2, do CP., na pena de 9 meses de prisão;
b) pela prática de um crime de incêndio na forma tentada, p.p. pelo artºs 22, 23, 272, nºs 1, alª a), na pena de 1 ano de prisão;
c) pela prática de um crime de incêndio, p.p. pelo artº 272, nº1, alª a), do C.P. na pena de 7 anos de prisão;
d) pela prática de um crime de homicídio qualificado, p.p. pelo artº 131, 132, nºs 1 e 2, alªs h) do CP. na pena de 20 anos de prisão;
e) pela prática de cada um dos três crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. pelo artºs 131, 132, nºs 1, e 2, alª h), do C.P. na pena de 9 anos de prisão;
f) Em cúmulo jurídico, condena-se o arguido B… na pena única de 25 anos de prisão.
- C…, pela prática, em co-autoria material, de um crime de coação na forma tentada, p.p. pelo artºs 22, 23, 154º, n.º1 e 2, do C.P. na pena de 9 meses de prisão;
- D…, em co-autoria material, de um crime de coação na forma tentada, p.p. pelo artº 22, 23, 154, nºs 1 e 2, do C.P. na pena de 9 meses de prisão,
- E…, em co-autoria material de um crime de coação na forma tentada, p.p. pelo artºs 22,23, 154, nºs 1 e 2, do C.P. na pena de 9 meses de prisão.
- Suspender a execução da pena de 9 meses de prisão aplicada aos arguidos C…, D… e E…, pelo período de um ano.

Decidiu-se ainda:
- Julgar improcedente o pedido de perda ampliada dos bens dos arguidos B…, F… e G…, Unipessoal, Ld.ª
- Levantar o arresto peticionado pelo Ministério Público, determina-se o levantamento do arresto dos bens da sociedade G…, Unipessoal, Ld.ª e F….

Deste Acórdão interpuseram recurso para este Tribunal da Relação
do Porto:
- O MP, em 14.05.2021, por entender (objecto do recurso):
- O Tribunal não considerou a conduta dos dos arguidos B…, C…, D… e E…, como integradora da prática, em co-autoria, de um crime de extorsão, na previsão dos artigos 22,23,223 nºs 1 e 3 alª a), todos, do CP.
- O Tribunal absolveu ainda os arguidos C… e D…, da prática de um crime de incêndio na forma tentada, na previsão dos artigos 22, 23, 272 nº1 alª a) do Código Penal e de um crime de incêndio, na forma consumada, da previsão do artigo 272 nº1 alª a), do Código Penal, por cuja prática vinham acusados e em co-autoria.
- O Tribunal também absolveu os arguidos, C… e D…, da prática de um crime consumado de homicídio qualificado na previsão dos artigos 131, 132 nºs 1 e 2 alªs e) e h) do Código Penal e de cinco crimes de homicídio qualificado na forma tentada, da previsão dos artigos 22, 23 131, 132 nº1 e 2 alªs e) e h), do Código Penal, pelos quais vinham acusados e em co-autoria.
- O Tribunal considerou ainda o dolo como necessário em relação aos crimes de homicídio qualificados (consumado e tentados), em relação ao arguido B…, enquanto o MP reclama dolo directo.
- O Tibunal não considerou a qualificativa prevista na alínea e) do nº2 do artigo 132, do Código Penal, por cuja prática os arguidos, particularmente o aqui principal responsável e mandante B…, se encontrava também acusado.
- Resulta que as medidas concretas parcelares dos crimes de homicídio qualificado consumado e tentados, imputados ao arguido B… não foram agravadas como deviam ser.
- O MP tambérm discorda da absolvição do arguido B… da prática de dois crimes de homicídio qualificado na forma tentada, da previsão dos artigos 22, 23 131, 132 nº1 e 2 alªs e) e h), do Código Penal, porque vinha acusado e em co-autoria.
- A discordância estende-se ao arguido B… em relação à prática de um crime de branqueamento, na previsão do artigo 368-A nºs 1 e 2 do Código Penal, pela prática do qual vinha acusado e em co-autoria.
- Precisamente em relação à arguida F…, pela prática de um crime de branqueamento da previsão do artigo 368-A nºs 1 e 2 do Código Penal, porque vinha acusada e em co-autoria.
- E, ainda, à arguida (pessoa colectiva) “G…, Unipessoal L dª”, da prática de um crime de branqueamento na previsão e nos termos dos artigos 11º nº 2 alª a) e 368-A nºs 1 e 2 do Código Penal, por que vinha acusada, conjuntamente com o seu único sócio e aqui arguido B….
- O Tribunal também não declararou procedente o pedido de perda da vantagem obtida com os crimes, por parte do arguido B…, no montante de 555.000,00€.
Bem como absolveu e julgou totalmente improcedente o pedido de perda alargada dos bens dos arguidos B…, F… e “G…, Unipessoal Ldª”, da quantia liquidada no valor de € 807.402,77 .
O mesmo se diga ordenar, consequentemente, o levantamento do arresto das quantias e bens imóveis apreendidos nos autos, elencados no nosso requerimento/liquidação para perda alargada de bens a favor do Estado.
- Pretende-se a condenação dos arguidos pela prática de um crime de branqueamento na previsão do artigo 11 nº2 alª a) e 368-A nºs 1 e 2 do Código Penal e, ao abrigo do disposto no artigo 7, nº 1, da Lei nº 5/2002, de 11/01, deverá o valor peticionado de 807.402,77 €, ser declarado perdido a favor do Estado, porquanto constitui vantagem de atividade criminosa.
Violou o Tribunal, os artigos 22,23, 223 nº1 e 3 alª a) do Código Penal, 22, 23, 272 nº1 al. a) do Código Penal artº 272 nº1 alª a) do Código Penal, 131, 132 nºs 1 e 2 alªs e) e h) do Código Penal, 22, 23, 131, 132 nº1 e 2 alªs e) e h) do Código Penal, artigo 14 nºs 1 e 2 e 132 nºs 1 e 2, do Código Penal, artigos 40, 70, 71 e 73, todos do Código Penal), artigo 14 nº3, 131 e 132 nº2 alª s e) e h), do Código Penal, 368-A nºs 1 e 2 do Código Penal, 1 nº2 alª a) e 368- A nºs 1 e 2 do Código Penal, artigo 110 do Código Penal, artigo 7 nº1, da Lei nº 5/2002, de 20 de janeiro, 127 e 421 do Código de Processo Penal.
O recurso tem por objecto a reversão do acordão segundo as observações acima expostas.
Vamos analisar cada uma das pretensões do MP objecto deste recurso.

A - Da absolvição dos arguidos B…, C…, D… e E… pela prática, na forma tentada e em co-autoria, de um crime de extorsão.
1.Os arguidos B…, C…, D… e E… foram absolvidos da prática, em co-autoria, de um crime de extorsão na forma tentada (artºs 22, 23, 223 nºs 1 e 3 alª a), todos, do CP).O tribunal integrou esta conduta, em co-autoria, no crime de coacção na forma tentada (artºs 22, 23, 154 nºs 1 e 2,do CP).
A matéria de facto dada como provada é a seguinte:
29. Na execução do planeado, nesse mesmo dia 9 de Fevereiro de 2019, após o encontro nas …, ao início da tarde, os arguidos D…, C… e E…, dirigiram-se ao 3º andar do imóvel sito no nº … da Rua … – ao qual acederam com o uso da chave da porta exterior do prédio que lhes foi facultada pelo arguido B… - e ali, munidos de uns documentos e de dois cheques visados, no valor global de € 10.000,00, solicitaram aos filhos da inquilina M…, Q… e U…, que aquela subscrevesse o acordo de cessação do contrato de arrendamento.
30. Como os filhos da inquilina recusaram o recebimento dos referidos cheques e que a M… assinasse os documentos, o tom dos arguidos passou a ser agressivo e intimidatório, tendo o arguido D… verbalizado, dirigindo-se nomeadamente ao Q…: “vocês ou saem daqui a bem ou saem a mal! Arranjamos umas carrinhas e carregamos tudo”.
31. Perante a conduta agressiva dos arguidos e temendo o comportamento destes, U…, chamou a entidade policial ao local. Enquanto aguardavam pela PSP, os filhos da inquilina mantiveram a conversa com os arguidos no r/c do prédio, local para onde todos desceram, entretanto.
32. Já no exterior do edifício, o arguido D… dirigiu ao assistente Q… as seguintes expressões: “tás fodidinho, não sabes com quem te meteste, não sabes o que te vai acontecer.”
Julgamos desnecessário reproduzir, o que cada um dos crimes prescreve, trabalho desenvolvido pelo Tribunal a quo, a não ser quanto às suas notas essenciais: elementos de distinção.
Crime de coacção: ameaça de um mal importante, constranger uma pessoa a uma acção ou omissão ou a suportar uma actividade …
Crime de extorsão: intenção de conseguir para si ou terceiro enriquecimento ilícito, constranger outra pessoa, por meio … de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete para ela ou para outrem prejuízo …
Qualquer um dos crimes pode revestir modalidade agravada: nos termos do artº 155 do CP quando os factos previstos no artº 154 do CP, por meio de ameaça, integrarem um crime punível com pena de prisão superior a 3 (três) anos. Já a extorsão é agravada nos termos do artº 223 nº 2 do CP, designadamente na alª a) por referência às alªs a), f) ou g) do artº 204 ou alª a) do nº 2 do artº 210 do CP …
Ainda mais duas notas: a conduta praticada em co-autoria corresponde a um ilícito tentado e o elemento subjectivo configura uma modalidade de dolo (basta o dolo eventual) nos termos do artº 14 do CP - susceptibilidade de constranger e de se conformar com a acção …
Da matéria de facto extrai-se que os indicados arguidos: autor moral e autores materiais, exerceram ameaça sobre os ofendidos Q… e U…, anunciando um mal futuro, no sentido de adequadamente constranger a mãe daqueles, de nome M…, a subscrever um acordo que permitisse a desocupação do imóvel, com consequente cessação do contrato de arrendamento.
Da matéria provada apenas se alcança que o arguido D… disse a Q… e à sua irmã que deviam aceitar o acordo, caso contrário sairiam a mal … colocamos aqui uma camioneta e carregamos tudo.
Já no exterior do edifício o arguido D… dirigiu-se ao assistente Q… e proferiu as seguintes expressões: “tás fodidinho, não sabes com quem te meteste, não sabes o que te vai acontecer.”
Os arguidos actuaram nas circunstâncias descritas com plena liberdade de acção e também com dolo, não esquecendo que estas condutas são proibidas e punidas por lei.
O crime só não se consumou por motivos alheios à vontade dos arguidos.
O exercício da coacção também nos parece não integrar a modalidade agravada prevista no artº 155 nº 1 alª a) do CP.
Os arguidos sempre pretenderam representar um mal importante, consubstanciado na desocupação do imóvel, porém o meio ameaça não consubstancia a prática de um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos.
O MP a quo, corroborado no parecer elaborado pelo Senhor Procurador-Geral-Adjunto, veicula ideia bem diferente, no pressuposto da liberdade de disposição patrimonial. O crime de extorsão tem como objectivo directo a obtenção de uma vantagem patrimonial à custa do prejuízo do extorquido. O elemento objectivo traduz-se num acto de disposição patrimonial. Nesta senda, quer o acto de disposição patrimonial, assuma forma de acção, omissão ou tolerância, pode ter por objecto qualquer elemento do património: direitos reais, de crédito ou meras expectativas jurídicas. Parte da ideia para haver extorsão é necessário que a disposição patrimonial constitua um enriquecimento ilegítimo, para o agente ou terceiro, e correspectivamente um prejuízo, para a vítima ou terceiro.
Não restam dúvidas que a ofendida M… beneficiava de um contrato de arrendamento celebrado com o primitivo proprietário. Nesta perspectiva o arrendamento integra património (direito de aquisição) do arrendatário e a sua cessação só pode ocorrer no âmbito de apertados limites. Daqui o recorrente cogita que se os ofendidos foram constrangidos (tentativa) a celebrar um acordo para desocupar o imóvel, com inerente violação das regras da cessação do contrato de arrendamento, então não há dúvida de que estão a efectuar uma disposição patrimonial, contribuindo para um enriquecimento ilegítimo do actual proprietário, rectius arrendatário, do imóvel e um correspondente prejuízo dos ofendidos, na circunstância directa, a arrendatária.
Começar por dizer que o crime de extorsão é um crime especial de coacção, efectivamente há uma relação de especialidade. As afinidades ocorrem entre outras tipologias, acontece que na extorsão há um prejuízo para a vítima ou terceiro e a intenção de o agente sempre conseguir, também para si ou terceiro, um enriquecimento ilegítimo. Numa abordagem simplista os elementos do crime de extorsão apresentam-se evidentes: ameaça com mal importante; constrangimento a dispor patrimonialmente (conceito alargado de património, incluindo direitos de crédito), com consequente prejuízo para a vítima ou terceiros e intenção de consegui para si ou terceiro um benefício. Só que a matéria não inculca essa ideia. Sabemos que se pretende a desocupação do locado e que essa posição tem um valor, porém, numa primeira etapa, os arguidos foram munidos de documentação apropriada e dois cheques visados, no valor de 10.000,00€, para tentar que a arrendatária subscrevesse um acordo de cessação do arrendamento. Como os ofendidos em causa recusaram o arguido D… dirigiu-se a Q… e disse-lhe: vocês ou saem daqui a bem ou a mal! Arranjamos umas carrinhas e carregamos tudo.
Entretanto foi chamada a PSP mas, cá fora, no exterior do edifício, o D… disse na direcção do Q…: estás fodidinho, não sabes com quem te meteste, não sabes o que te vai acontecer. A ideia inicial é conseguir um acordo, perante a inviabilidade os arguidos recorrem à ameaça com mal importante, no sentido de constranger os ofendidos, nomeadamente a arrendatária, contudo, a ameaça, não configura o valor patrimonial de um contrato de arrendamento e a sua relatividade, actuando sempre com o propósito de intimidar, constranger, admitindo ainda que essa forma pode passar pela negociação, muito embora o objectivo final é de que abandonem o locado, circunstância que pode não revelar, necessariamente, um enriquecimento ilegítimo …
Já assinalamos a similitude destas tipologias, embora com inserção sistemática diferente: crime de coacção como crime contra a liberdade pessoal e crime de extorsão como crime contra o património. A nota particular assenta na imediação e forma de executar o crime, não obstante as semelhanças, face à sobredita relação de especialidade. A ameaça com mal futuro, por meio de constrangimento, pretende que a M… assine um acordo de desocupação do imóvel. O objectivo inicial não era conseguir a desocupação a qualquer preço mas, sim celebrar um acordo de cessação do contrato de arrendamento. A reacção advém do facto de a ofendida arrendatária não ter eceitado a proposta, o que caminha no sentido disposto na acusação: levar os ofendidos, a fazer com que a arrendatária … assinasse a proposta para por termo ao arrendamento. Para se ter uma ideia, em termos jurisprudenciais, o constrangimento do destinatário, com ameaça de um mal importante, como por exemplo assinar uma declaração de dívida, pode não configurar extorsão mas sim um crime de coacção. Ninguém duvida que a pretensão neste caso é aceder ao património do coagido, contudo continuamos a falar de coacção simples… tudo depende como se processou a ameaça de um mal importante e de como se estabeleceu a relação efectiva de causalidade. Acórdão do STJ de 24 de Junho de1998, in CJ – Acs. do STJ, VI, Tomo 2, fls. 215. Veja-se ainda sobre esta matéria J. Figueiredo Dias in Comentario Conimbricense ao artº 223, fls. 345.
A conduta dos arguidos, em co-autoria, integra tão só a prática de um crime tentado de coacção. Sabemos que a coacção pode ser simples ou agravada, nesta circunstância, com requisitos especiais, nos termos previsto no artº 155 nº 1 alª a) do CP: por meio de ameaça com a prática de um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos.
Sempre com recurso à matéria dada como provada, conferimos o valor da ameaça de lhes ter dito: saem a bem ou a mal, colocamos uma camioneta e carregamos tudo … ou estás fodidinho, não sabes com quem te meteste, não sabes o que te vai acontecer. Em nenhum momento o arguido interlocutor diz por que ameaça: saem a bem ou a mal e qual o mal que vai ocorrer, circunstância que nos permitiria abordar o crime a praticar e saber se é punível com pena de prisão superior a 3 anos. Não vislumbramos a prática de um facto integrador de um crime grave. Obviamente é irrelevante considerar a agravação da extorsão, uma vez que no entendimento deste Tribunal Superior há apenas crime de coacção.
As ocorrências posteriores, de acordo com a matéria de facto provada, são contas de outro rosário…
Por agora estamos confinados à prática, em co-autoria de um crime tentado de coacção – coacção simples.
Concluindo como o tribunal a quo.
Naturalmente que a participação do arguido B… se ficou ao nível da autoria moral (artº 26 do CP).
A tentativa é punível – artº 154 nº 2 do CP.
A alteração da qualificação jurídica assim operada, sendo por crime menos grave, não impõe a comunicação a que alude o artº 358, nº 1, do CPP.

Pelo exposto, tendo os arguidos B… (autor moral), C…, E… e D…, preenchido com a sua conduta, todos os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de coação, em co-autoria material, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22, 23, 154, nº 1, do Código Penal.

B) Os arguidos C… e D…, foram absolvidos da prática de um crime de incêndio na forma tentada, previsto e punido nos termos dos artºs 22, 23, 272 nº 1 alª a) todos do CP.
O mesmo se diga quanto à prática, em co-autoria e na forma consumada de um crime de incêndio previsto no artº 272 nº 1 alª a) do CP – Em conclusão da absolvição dos arguidos C… e D…, em co-autoria, da prática de um crime de incêndio na forma tentada e de outro crime de incêncio, em co-autoria, na forma consumada – Crimes de incêndio por alusão às datas, respectivamente, dias 23 de Fevereiro de 2019 e 2 de Março de 2019.
Ainda da absolvição dos arguidos C… e D… de um (1) crime consumado de homicídio qualificado e 5 (cinco) crimes de homicídio qualificado, em co-autoria e na forma tentada – Consequências do incêndio deflagrado no dia 2 de Março de 2019.
Temos sempre de partir da matéria dada como provada cujo teor vamos reproduzindo de acordo com a peticionada (MP) impugnação alargada - erro de julgamento, muito embora o MP alegue a espaços vícios do texto da decisão recorrida e interpretação diversa de normas legais.
Passsaremos a citar parte da fundamentação a quo, em particular as considerações tecidas sobre a prova indiciária, indirecta ou circunstâncial.
Da motivação a quo:
Como é sabido, a legislação processual penal portuguesa reafirma (tendo em conta que o princípio da livre apreciação da prova é um princípio constitucional) como critério geral de apreciação da prova, o sistema da livre convicção, vinculando-o ao respeito pelas regras da experiência, e assinalando-lhe, ainda, algumas restrições que constituem condicionantes da apreciação valorativa (artº 127 do CPP).
A livre apreciação da prova traduz-se na possibilidade do julgador formar uma convicção pessoal de verdade dos factos, convicção essa, ainda assim, racional (i.e., assente em provas), assente em regras de lógica e experiência (i.e., inexpugnavelmente compatível com os princípios que se reconhece regularem mentalmente a gnose), objectiva (i.e., desprovida de subjectivismo injustificável, assente em elementos reais e externos ao Tribunal, afastando-se de meros conhecimentos ou presunções privadas do Homem que ocupa a posição de julgador) e comunicacional (i.e., intrinsecamente reflectida e claramente compreensível por terceiros).
A decisão sobre a matéria de facto há-de ser, por isso, o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do juiz.
Na argumentação racional que leva a cabo, o julgador pode socorrer-se de “regras da experiência”, isto é, juízos formados na observação do que comummente acontece e que, como tais, podem ser formados em abstracto por qualquer pessoa de cultura média. Em substância, as presunções ditas naturais, de facto, simples ou de experiência são consequências, ou seja, assunções que o juiz, como homem, e como qualquer homem criterioso, atendendo à ordem natural das coisas – quod plerumque fit – extrai dos factos da causa, ou das suas circunstâncias, e nas quais assenta sua convicção quanto ao facto probando.
A prova indirecta ou indiciária reporta-se a factos diversos sobre o acervo da prova, que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto a este tema – presunções naturais.
“A factualidade considerada provada pode não ter correspondência directa nos depoimentos concretos prestados em audiência de julgamento – as testemunhas não identificaram o arguido como um dos intervenientes – ou das declarações do arguido durante o inquérito, mas pode extrai-se da concatenação lógica dos elementos probatórios que mereceram a confiança do tribunal, alicerçando-se na verificação de uma relação de normalidade entre os indícios e a presunção que deles se extraíu, dando-se a conhecer na sentença sob censura de forma cristalina o raciocínio através do qual, partindo de tais indícios, se concluiu pela verificação dos factos objecto da crítica.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Maio de 2018, in www.dgsi.pt).
“XIII - A forma como se explana aquela prova fundando a convicção do julgador tem de estar bem patente, o que se torna ainda mais evidente no caso da prova indiciária, pois que aqui, e para além do funcionamento de factores ligados a um segmento de subjectividade que está inerente aos princípios da imediação e oralidade, está, também, presente um factor objectivo, de rigor lógico que se consubstancia na existência daquela relação de normalidade, de causa para efeito, entre o indício e a presunção que dele se extrai. Como tal, a enunciação da prova indiciária como fundamento da convicção do juiz tem de se expressar no catalogar dos factos base ou indícios que se considere provados e que vão servir de fundamento à dedução ou inferência e, ainda, que na sentença se explicite o raciocínio através do qual e partindo de tais indícios se concluiu pela verificação do facto punível e da participação do arguido no mesmo. Esta explicitação ainda que sintética é essencial para avaliar da racionalidade da inferência.
XIV - Os indícios devem estar comprovados e é relevante que esta comprovação resulte de prova directa, o que não obsta a que a prova possa ser composta, utilizando-se, para o efeito, provas directas imperfeitas ou seja insuficientes para produzir cada uma em separado prova plena. Porém, estamos em crer que a exclusão de indícios contigentes e múltiplos que não deixam dúvidas acerca do facto indiciante como prova de um facto judiciário, e pela simples circunstância de serem resultado de prova indirecta, é arbitral e ilógica e constitui uma consequência de preconceitos considerando a prova indiciária como uma prova inferior.”
(…)
Aqui chegados é tempo, portanto, de expor a fundamentação da presente decisão…”;
“Como já oportunamente tivemos ocasião de afirmar, são dois os elementos da prova indiciária.
Em primeiro lugar o indício, que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar conhecer outro facto que com ele está relacionado.
Em segundo lugar é necessária a existência da presunção que é a inferência que, aliada ao indício, permite demonstrar um facto distinto.
A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma premissa maior:
A lei baseada na experiência, na ciência ou no sentido comum que, apoiada no indício-premissa menor, permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.
Não faz a nossa lei processual penal qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária. Por qualquer forma é incontornável a afirmação de que os mesmos devem ser graves e concordantes, convergindo na direcção da mesma conclusão facto indiciante.
Na prova indiciária devem estar presentes condições relativas aos factos indiciadores, à combinação ou síntese dos indícios, à combinação das inferências indiciárias; e à conclusão das mesmas.
Assim, os indícios devem estar comprovados e é relevante que esta comprovação resulte de prova directa, o que não obsta a que a prova possa ser composta, utilizando-se, para o efeito, provas directas imperfeitas, ou seja, insuficientes para produzir cada uma em separado prova plena.
Porém, estamos em crer que a exclusão de indícios contingentes e múltiplos, que não deixam dúvidas acerca do facto indiciante como prova de um facto judiciário, e pela simples circunstância de serem resultado de prova indirecta, é arbitrária e ilógica e constitui uma consequência de preconceitos considerando a prova indiciária como uma prova inferior.
Directamente relacionada com a questão da unidade, ou pluralidade de indícios situa-se a questão dos indícios periféricos, ou instrumentais, em relação ao facto probando. Significa o exposto que os factos indiciantes não têm de coincidir necessariamente com os que conformam o facto sujeito a julgamento, ou algum dos seus elementos ou bem a autoria material do facto ilícito, mas podem tratar-se de factos que estão em conexão, ou relação directa com aqueles, situando-se na sua periferia, sendo indicativos da realidade do facto que se pretende provar. Isto significa que devem ser concomitantes, ou seja, que devem acompanhar-se entre si por constituir diversos aspectos fácticas de um determinado facto penalmente relevante e que, em consequência têm uma existência comum e em paralelo.
É evidente que, consoante a génese do acto criminoso, assim, também, os indícios aparecem com uma densidade e formatação diversa…”;
Sobre a concreta motivação o tribunal a quo disse o seguinte:
Dia 23 de Fevereiro de 2019 - 1º Incêndio (tentativa)
(…)
Os arguidos B… e C… confirmaram ainda o encontro no Z…, no dia 23 de Fevereiro, no qual participou também o arguido E…, negando, embora, o mote do encontro.
Dali, segundo o arguido C… seguiram, para o AB…, os três, onde permaneceram até às 05h00m. Refere que nessa noite, além dos arguidos, esteve acompanhado da testemunha AU…, sendo esta a última pessoa com quem esteve até se recolher. Nessa noite não esteve com o arguido D….
Confrontado com o telefonema feito nessa noite a B… já de madrugada afirmou que este ocorreu por AU… querer saber da amiga que havia seguido com o arguido B… e que tardava em chegar a casa.
Sobre esta noite, o arguido B… e a testemunha AU… descrevem os factos de modo idêntico.
O que não se percebe, na versão dos arguidos e da testemunha é o facto de, estando junto do hotel onde pernoitava B…, nas proximidades do qual o arguido C… havia deixado o carro, por que razão o arguido B… não ficou ali e, ao invés, se deslocou com a amiga que conheceu nessa noite a casa dela, pois que, segundo ambos, esta vivia na companhia do arguido C…, AU…, e a quem este arguido, C…, levou a casa. Ou, ao invés, se pretendia passar a noite com ela, como segundo referiu, aconteceu, por que não a convidou ali, nas proximidades do hotel?
Não obstante esta incongruência, julgamos que a mesma não é suficiente à fundamentação da autoria do incêndio.
Julgamos que a circunstância de este ter subido um piso às 2h e 44m do dia 24 de Fevereiro, conforme fls. 311 do apenso da comunicações móveis, não basta à tese da acusação de que esse piso é o 1º piso do nº …, da Rua …, a exemplo do que aconteceu no dia 9 de Fevereiro, em que os telemóveis deste arguido e do arguido E…, registam subida de 2 pisos, às 13h 49 m – cfr. fls. 128 e 299, do anexo III… Com efeito, da análise dos registos resulta que nesse mesmo dia, 24 de Fevereiro, às 00h 17 m, o arguido subiu dois pisos, e que durante esse dia foi subindo 1 ou dois pisos, como aconteceu às 20h e 04 m, 18h 39m às 16 h e 43 m, às 6h e 27 m.
Ficamos pois sem perceber as movimentações do arguido C….
Tudo isto sem embargo de se retirar, dos referidos registos, o que se afirma na acusação: “Após o encontro no Z… o arguido B… não acciona qualquer outra célula até às 05H55, momento em que recebe uma chamada do arguido C…, encontrando-se, nessa chamada (05H55), o arguido B… nas imediações da Rua ….
Por sua vez, o arguido C…, após o encontro no Z…, aciona a célula “AV…” desde as 00H05 até às 05H08. Existe um intervalo sem comunicações entre as 01H56 e as 02H41, altura do incêndio. A célula “AV…” dista cerca de 1km do local dos factos, facilmente percorrido em menos de 10 minutos.
Às 05H55, quando o arguido C… liga para o arguido B… acciona a célula “AW…” que cobre a área onde se situa a habitação do arguido D….
O arguido D…, à 01h07 aciona a célula “AX…” e, às 07h07, volta a acionar “AX…”. Nesse hiato de tempo não tem qualquer comunicação, o que nunca aconteceu nos três meses em que esteve interceptado, uma vez que nesse horário ele estabelece e recebe habitualmente inúmeros contactos por se encontrar a trabalhar na Discoteca “W…”.)”.
Na verdade, e sobre o arguido D…, relembramos que o mesmo não esteve com os arguidos neste dia 23, e a ser verdade o que disse ao arguido E…, ter-se-á deitado cedo.
Por outro lado, importa ainda ter presente que o incêndio foi participado como tendo ocorrido às 2h e 58 m – cfr. participação de fls. 326, do Volume I
Quanto ao arguido D…, inexiste qualquer prova do convívio do mesmo, nessa noite, com os arguidos B…, C… e E…. Note-se que a acusação também não diz em que momento é que o mesmo se juntou ao grupo naquela noite. Ademais resulta de fls. 182 e 191, do anexo III, que o mesmo não acompanhou os arguidos, nessa noite.
A presença do arguido B… no estabelecimento comercial denominado AB… não bule com a convicção do Tribunal acerca da autoria do incêndio no dia 23 de Fevereiro. Com efeito, como tivemos oportunidade de referir, estamos em crer que, também quanto aos incêndios, a autoria do arguido B… se ficou ao nível moral.

Sobre o incêndio dia 2 de Março de 2019 – Incêndio consumado/homicídio consumado e tentados quer com dolo necessário, quer com dolo eventual.
Os arguidos C… e D… negam ter estado com o arguido B…, no dia 2 de Março de 2019.
O arguido C… afirmou ter deambulado pela noite do Porto, na companhia de um amigo.
O arguido D…, por seu turno, declarou ter estado a trabalhar no “W…”.
A acusação fundamenta a participação dos arguidos C… e D…, quanto aos arguidos B… e D… no facto de estes não terem efectuado chamadas entre as 18h 50m do dia 1 de Março e as 8h e 25 m do dia 2 de Março, no que respeita ao arguido B…, e quanto ao arguido D… entre as 22h e 10m do dia 1 de Março, em que acciona a célula AX…, e as 10h 02m do dia 2 de Março, em que acciona a célula AW…; o arguido C…, por seu turno, e quanto à noite de 2 de Março, entre as 00h e 59m e até às 2h e 31 m, acionou a célula AY…, que dista cerca de 500m, do local dos factos e às 02h 49 m, acionou a célula AZ… que dista cerca do local dos factos cerca de 600m.
A considerarmos o registo das Antenas como prova relevante, ainda quanto ao arguido C…, temos que às 2 h e 48 m, do dia 2 de Março de 2019, (altura em que acionou a célula AZ…) este subiu oito andares (fls. 340, do anexo III) e, a considerarmos, como a acusação, que incêndio ocorreu entre as 03h 00m e as 04h 30 m dia dois de março, verificamos que nesse período do arguido apenas subiu um piso, às 3h e 37m, onde permaneceu até às 3h e 49m. Ora esta movimentação não é compatível com a ida ao 3º piso do prédio sito na Rua ….
Já quanto ao arguido D…, temos, novamente, um largo período em que não efectuou chamadas telefónicas, o que também aconteceu no dia 23. Porém, naquele dia, o arguido terá ficado em casa, segundo disse ao E…. E quanto a este dia? Não temos informação sobre a sua actividade, entre as 22h e 10m e as 10h e 02m, altura em que acionou as células AX… e AW…, zonas em que se localizam o seu local de trabalho e a sua casa. Mas podemos, por isso concluir que o mesmo se deslocou à Rua … para atear o incêndio? Julgamos que não pois que se assim…
Não ignoramos que o arguido D… recebeu € 2.000, 00 do arguido B….
Também não podemos descurar a conversa mantida pelo arguido D… com o seu primo BA… (anexo II) na qual o mesmo refere que “o chinoca ontem foi lá e deu-me dois mil pauzitos” bem como a referência ao ocorrido no edifício, com especial menção à questão criminal “Ele teve ele teve a falar comigo ó pá que tá o prédio veio por ali abaixo, mas a parte criminal, a parte criminal já tá resolvida pronto. Porque o fogo deflagrou mesmo no terceiro andar. No piso e foi do terceiro pó quarto. Aquilo deve começou mesmo dentro do apartamento deles.” E ainda “Eu disse ya ya. Já tinha o granfo na mão, eu queria era o granfo no bolso. Mas ainda vai dar mais não vai? Pá pelo menos acho que sim, tá acordado. Primo: Então, tem que dar mais.”
A explicação dada por ambos os arguidos, D… e B…, sobre a entrega deste valor não se compadece com os termos usados na conversa. Na verdade, segundo aqueles, aquela quantia foi emprestada pelo arguido B… ao arguido D… para pagamento do arranjo do veículo de matrícula ..-XE-.., conforme orçamento junto com a contestação. Ocorre que ao relatar o recebimento daquela quantia o arguido fez uso do verbo “dar” não se vislumbrando qualquer razão prática para o uso de outra forma verbal.
De igual modo, fez uso da referida forma verbal em conversa com a companheira, conforme escuta.
Ainda sobre o valor que lhe foi entregue pelo arguido B…, o arguido D… afirmou, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, que precisou do dinheiro, além do mais, para fazer face às despesas inerentes ao processo judicial de que foi sujeito, pela prática do crime de desobediência.
Porém, analisado o CRC deste arguido contata-se que essa condenação só veio a ocorrer em outubro desse ano, tendo transitado em julgado em Novembro de 2019. E, com interesse ainda para a obrigação subjacente ao valor recebido, importa considerar que este arguido, D…, acabou com confirmar, aquando do primeiro interrogatório, que o dinheiro lhe foi dado como contrapartida pela intermediação na compra e venda do apartamento de Lisboa, que afinal não chegou a acontecer.
Tudo isto para concluirmos que ficou por esclarecer a razão pela qual o arguido B… deu € 2.000,00 ao arguido D….
De igual modo, e relativamente ao arguido C…, é manifesto que este se deslocou-se a Espinho, ao AC…, para o receber dinheiro do arguido B….
Apesar de a testemunha BB… ter afirmado em audiência de julgamento que foi ele, quem nessa ocasião emprestou dinheiro ao arguido C…, o conteúdo da conversa colhida através da escuta telefónica de fls. 7 e ss, do apenso II, não deixa duvidas de que o dinheiro lhe deveria ser dado pelo arguido B….
Se é certo que o recebimento de valores por parte destes arguidos tende a levantar suspeitas sobre a sua participação nos factos, mormente ocorrendo, num tempo próximo destes, certo é também que não logrando “casá-lo” com outros elementos de prova, designadamente com os “movimentos celulares” já assinalados, e mantendo estes arguidos outros interesses económico-financeiros com o arguido B…, não podemos concluir, com segurança, pelo pagamento da participação dos arguidos nos factos.
Uma última nota sobre esta questão, muito debatida em sede de audiência de discussão e julgamento e que se prende com as imagens de fls. 580 e ss, representativas da Rua …, na noite do 2º incêndio, obtidas a partir de câmaras de vigilâncias de estabelecimentos comerciais. É manifesto que estas imagens não permitem a identificação das pessoas que ali se veem. Assim, bem podem ser os arguidos, o que não coincide com o número de pessoas gravadas, porque, na verdade as imagens são absolutamente ilegíveis.
Em suma, relativamente a estes arguidos, inexistem elementos que permitam fundamentar, para além de qualquer dúvida, a participação nos incêndios ocorridos na Rua ….
Por essa razão o tribunal deu como não provada a matéria concernente à participação destes nos factos, quer no que respeita aos elementos objectivos quer quanto aos elementos subjectivos...”
O MP começa por dizer, no caso concreto, foram desprezados valiosos conhecimentos de ordem doutrinal e jurisprudencial. A este propósito cita um trabalho da autoria do Conselheiro Santos Cabral e acórdãos, neste sentido, dos Tribunais Superiores – STJ; Tribunal Constitucional e TRP, tudo em abono da tese da prova indiciária.
Sobre a concreta motivação, continua o recorrente, depois de alegar abundante prova para decisão distinta – testemunhal, documental e pericial – designadamente versões contraditórias apresentadas ao longo do processo, centra-se num conjunto de factos provados descritos com os nºs 17/64, 65 e 80 para enquadrar o arguido mandante (B…) no seio da sociedade portuense, com significativas ligações aos arguidos E…, D… e C…. Daqueles factos, em particular dos nºs 17, 21, 24 e 25, extrai ilacção de que a partir do momento em que o arguido B… decidiu vender o prédio da Rua … nº … passou a frequentar o estabelecimento nocturno W..., onde trabalhava o arguido D…, local onde também travou conhecimento com C…. Através desta ilação mais conclui que o arguido de nacionalidade chinesa incumbiu estes dois últimos arguidos a conseguirem a desocupação do prédio identificado, ainda se necessário pela via violenta. Os inquilinos retardavam a saída e o prédio já havia sido prometido, muito embora livre de pessoas e bens. Ainda a trilhar o mesmo caminho o recorrente alude a novo conjunto de factos: 13/16 e 18/34 para considerar frustrada a tentativa de resolver o assunto pela via do acordo e a necessidade de tomar atitude mais consistente com propósito de permitir a transacção do imóvel, ordem proferida pelo arguido B… no sentido de atear fogo ao edifício. Mais alega: quem mais poderia o arguido mandante ter recorrido, nesta segunda fase da sua determinada e pensada acção final … que não fosse a estes dois cavalheiros (!) os quais … num momento anterior próximo já haviam tentado – sem êxitoa assinatura do contrato resolutivo de arrendamento … Precisamente os arguidos C… e D… que aquele autor moral havia conhecido no submundo da noite. O arguido, na ausência da mulher, aqui também arguida F…, passou a frequentar o estabelecimento W…, relacionando-se com aqueles arguidos a quem atribui tarefas que terminaram com o incêndio total do edifício e morte de um dos ocupantes.
Ainda segundo o recorrente, com toda esta prova, a Senhora Juíza optou pela dúvida cartesiana, vale dizer cepticismo metodológico…
O recorrente detalha a afirmação quanto ao dia do primeiro incêndio, no sentido da inconsistência das versões apresentadas pelos arguidos B… e C…. Aliás o recorrente esclarece que nem o tribunal recorrido ficou convencido.
“Os arguidos B… e C… confirmaram ainda o encontro no Z…, no dia 23 de Fevereiro, no qual participou também o arguido E…, negando, embora, o mote do encontro. Dali, segundo o arguido C… seguiram, para o AB…, os três, onde permaneceram até às 05h 00m. Refere que nessa noite, além dos arguidos, esteve acompanhado da testemunha AU…, sendo esta a última pessoa com quem esteve até se recolher. Nessa noite não esteve com o arguido D….
Confrontado com o telefonema feito nessa noite a B… já de madrugada afirmou que este ocorreu por AU… querer saber da amiga que havia seguido com o arguido B… e que tardava em chegar a casa.
Sobre esta noite, o arguido B… e a testemunha AU… descrevem os factos de modo idêntico.
O que não se percebe, na versão dos arguidos e da testemunha é o facto de, estando junto do hotel onde pernoitava B…, nas proximidades do qual o arguido C… havia deixado o carro, por que razão o arguido B… não ficou ali e, ao invés, se deslocou com a amiga que conheceu nessa noite a casa dela, pois que, segundo ambos, esta vivia com na companhia do arguido C…, AU…, e a quem este arguido, C…, levou a casa. Ou, ao invés, se pretendia passar a noite com ela, como segundo referiu, aconteceu, por que não a convidou ali, nas proximidades do hotel?
Não obstante esta incongruência, julgamos que a mesma não é suficiente à fundamentação…”;
O recorrente argumenta que os co-arguidos D… e C… incriminaram-se reciprocamente em sede de primeiro interrogatório judicial. Mais alega que a testemunha BC…, agente da PJ, explicou cronologicamente como tudo se passou, a tudo acresce que o Tribunal a quo também não justificou os pagamentos relatados nos factos nºs 58/59, respectivamente, aos arguidos D… e C….
Interpreta também como significativo o facto de o arguido D… apresentar um hiato temporal, entre 27/02/2019 a 04/03/2019, em que não há registos de conversas no Facebook/Messeger, tudo como melhor comprova o exame do telemóvel (imei) com nº……………, de fls. 2218/2219.
Ainda quanto a esta prova examinada pela Onetrevie procedeu-se à localização dos celulares e facturação de serviços, com elaboração dos respectivos cronogramas. Apesar desta prova ciêntifica, o tribunal continuou a desprezar estes elementos.
O recorrente fez a fita do tempo (relação entre os arguidos) para melhor descrever todo este envolvimento, culminado nas investidas junto dos moradores do prédio e depois no deflagrar do primeiro e segundo incêndios.
- 1 de Fevereiro de 2019: Os arguidos D… e B… registam, nos seus aparelhos, respectivamente os nºs de telefone.
- Dia 3 de Fevereiro: encontro entre B…, C… e D… no restaurante X… no … – há registo das células destes arguidos no mesmo local.
- Dia 5 de Fevereiro: O arguido E… cria contacto do C… com a designação C1….
- Dia 9 de Fevereiro, às 12,00 h: encontro no Restaurante Y… nas … entre os arguidos B…, C…, D… e E…, comprovado por células e declarações dos arguidos intervenientes no almoço.
Há ligações, antes do almoço, entre os arguidos C…, D… e B…, com a curiosidade de após este encontro os arguidos, com excepção do arguido B…, deslocaram-se para a Rua … onde ameaçaram e perturbaram os inquilinos conforme melhor se descreve na rubrica de factos provados (artºs 26, 27 e 28).
Dia 9 de Fevereiro, entre as 13/15 h, os citados arguidos deslocam-se ao prédio da Rua … e depois de frustrada a tentativa de um acordo, procedem a ameaças na pessoa dos inquilinos – os telemóveis dos arguidos E… e C… registam ambos a subida de dois andares (13, 49 h).
- Às 14,11 e 14,50 h o arguido B… ligou, respectivamente, aos arguidos C… e E…. O arguido B… durante estas chamadas encontrava-se na Rua …, a poucos metros do local. A PSP, chamada pelos inquilinos deslocou-se ao local e ainda surpreendeu e identificou os co-arguidos D… e C… (factos nºs 29/33).
- Dia 23 de Fevereiro, pelas 23,30h: Os arguidos B… e C… encontram-se no Z…, na Avenida … e dali seguiram para o estabelecimento de diversão nocturna AB… no … onde estiveram até às 5,00/5,30 h, conforme resulta das células e declarações dos mesmos (artºs 38 e 39).
- Dia 24 de Fevereiro entre as 2.00/3,00 h da madrugada ocorre o primeiro incêndio.
Depois do encontro no Z… o arguido B… não acciona qualquer outra célula até às 5,55 h, momento em que recebe uma chamada o arguido C…. Aquele arguido encontrava-se nas imediações do locado, ou seja da Rua ….
Contudo o arguido C…, depois do encontro do Z…, permanece com a célula AV… desde as 00,05 até às 5,08 h. Entre as 1,56 e as 2,41 há um intervalo sem comunicações, momento em que decorre o incêncio.
A célula AV… fica a 1Km do local do incêndio – percurso que pode ser feito em 10 mimutos.
Nesse mesmo dia o aparelho celular acusa pelas 2,41h a subida de um andar. O estabelecimento AB… situa-se no 1º andar.
O recorrente MP entende que o azimute accionou a célula AV… porque era essa a direcção, porém segundo os factos o celular manteve-se sempre no AV… entre as 00,05 h e as 5,08h, alegação do próprio recorrente com base na prova.
Depois o recorrente parte para o vídeo dos estabelecimentos comerciais no sentido de demonstrar que alguém passou na rua com uma coisa na mão (2,33h dessa mesma noite)…
Às 1,07h o arguido D… acciona a célula AX… que cobre a área do W…, a qual sinaliza o seu telemóvel enquanto trabalha e às 7,00 h volta a accionar a mesma célula.
Mais adiante o recorrente relata as declarações do arguido C… em sede de interrogatório judicial (28/06/2019) para realçar que este arguido ficou muito surpreendido pelo facto de o D… ter o telefone desligado nos dois dias dos incêndios. Achou estranho o facto de estarem desactivados, porque precisa deles para contactar clientes, contudo, mais tarde o D… disse-lhe que provavelmente ficou sem bateria.
Pretende aqui o recorrente historiar a situação dos telemóveis (metadados) nas noites dos incêndios, nomeadamente na noite de 22/23 de Fevereiro. Em síntese a situação foi a seguinte:
O arguido B…, não fez, nem recebeu qualquer chamada entre as 18,50 h do dia 1 de Março e o dia 3 de Março até às 8,25 h – accionou a célula BD…, área da sua habitação.
O arguido C… accionou a célula AY… desde as 00,59 h até às 2,31 h – às 2,49 accionou a célula AZ….
O arguido D… às 22,10 h accionou a célula AX… e no dia seguinte volta a accionar a célula AW…. Uma das células cobre a área do estabelecimento W… e outra a área da sua residência.
As conclusões retiradas são de que o C… esteve sempre perto do local do crime e o D… teve o telefone desligado durante um grande lapso de tempo quando se sabe que precisa dele para trabalhar durante a noite. O telefone do arguido B… esteve claramente desligado durante a prática dos factos.
O D… (dia 28 de Março) confidenciou ao primo BA… que o arguido B… deu-lhe um envelope com 2.000,00 € - ver facto 58.
O C… (dia 28 de Março) também se encontrou no AC… em Espinho para receber dinheiro (quantia não apurada) do arguido B… - ver facto 59 – muito embora a testemunha BB… alegue que se tratou de um empréstimo voltaremos a esta matéria.
O relato da conversa entre o D… e a namorada brasileira – dia 28/03/2019 às 13:18:58 – tem por objecto a questão do dinheiro mas o arguido, entre várias peripécias diz: ele dá-me (arguido chinês) … porque sabe que eu mereço.
Nova conversa entre arguido D… com o primo BA… – 28/03/2019 às 11:15:51 – também reconhece ter recebido 2.000,00 € do chinoca. O arguido chinês no encontro para entrega do dinheiro fez-se acompanhar de outro cidadão... Nesta conversa telefónica falou-se do prédio no sentido de que o incêndio deflagrado resolveu a situação. Ninguém assume participação nos factos, aliás salienta-se que o cidadão chinês ficou com o prejuízo – aquela responsabilidade…
Estão relatadas outras conversas telefónicas e mensagens entre o C… e o BB… no dia 28/03/2019 …
Na conclusão nº 87 do recurso o MP tem o cuidado de elaborar uma fita do tempo para demonstrar a envolvência dos arguidos – B…, C… e D… - com suporte nas células accionadas…
87. Como tudo isto ficou melhor descrito e explicitado pelo inspetor BC…, aqui reproduzidas e desprezadas na valoração dada pela Mª Juíza Presidente, o mandante B…, apenas contactava com estes dois operacionais arguidos C… e D…, particularmente nos dias que precederam os dois incêndios e da análise das células accionadas por ambos desde 01/02/2019 a 22/03/2019:
(contactos efectuados antes dos factos criminosos com interesse para a decisão da causa)
03/02/2019 – B… e C… juntos no W… até às 05H00 h.
03/02/2019 – B…, C… e D… juntos no X… desde as 19H00.
• 04/02/2019 – B… na Rua … pelas 10H54 até às 11H31 (negociações?)
• 05/02/2019 – B… e C… juntos no X… desde as 20H00 até às 21H00.
• 06/02/2019 – B… e C… juntos no Centro de Matosinhos desde as 14H26 até às 15H47.
• 07/02/2019 – B… na Rua … pelas 10H45 até às 11H45 (negociações?)
Extorsão:
• 09/02/2019 – B…, C…, E… e D… almoçam juntos no Restaurante Y… nas …
09/02/2019 – B… encontrava-se na Rua … quando C…, D… e E… executavam a extorsão.
• 09/02/2019 – B… e C… juntos no X… desde as 16H56 às 18H00
• 12/02/2019 – B… e C… juntos no W… pelo menos desde as 23H50 às 00H12
• 12/02/2019 – B… e C… juntos no Porto desde pelo menos as 13H45 às 14H22 altura em que B… se desloca a Vila do Conde e C… fica no Porto
• 12/02/2019 – B… e C… junto novamente no Centro de Matosinhos desde pelo menos as 22H00 às 22H50 altura em que seguem para o W… juntos.
• 13/02/2019 – B… e C… saem juntos do W… pelas 02H27.
• 15/02/2019 – B… e C… juntos desde pelo menos as 21H41 até às 00H00 no X…
• 16/02/2019 – B… e C… juntos desde as 13H00 às 14H00 no Restaurante Y…
• 16/02/2019 – B… e C… novamente juntos no centro do Porto das 15H00 às 18H00 altura em que B… vai a casa.
. 16/02/2019 – B… e C… novamente juntos em Gaia junto à … desde as 22H00 deslocando-se depois os dois ao W… e pelas 05H00 para o X… (sempre juntos)
• 17/02/2019 – B… e C… juntos desde pelo menos as 17H00 às 02H00 no centro do Porto.
• 18/02/2019 – B… e C… depois da noitada anterior accionam ambos a célula da habitação de B… desde as 08H39 às 11H20 (o que indica que C… poderá ter dormido na habitação de B…)
• 18/02/2019 – B… e C… juntos no centro do Porto e depois no BE… desde as 12H00 até às 18H00
• 19/02/2019 – B… e C… juntos no X… pelas 18H37
• 20/02/2019 – B… e C… juntos em … – Porto (zona …) desde pelo menos as 15H49 até às 17H30
• 21/02/2019 – B… e C… juntos no Z… pelas 20H15 e depois rumam até ao W….
• 22/02/2019 – B… e C… juntos em … – Porto (zona …) desde as 16H10 às 17H00.
1º Incêndio:
23/02/2019 – B… e C… juntos no Z… pelas 23H30 seguiram para o AB… (zona …) até às 05H00.
• 24/02/2019 – pelas 05H55 B… e C… falam um com o outro ao telemóvel encontrando-se B… no local dos factos (imediações da Rua …!)
• 24/02/2019 – B… e C… juntos desde as 18H17 até às 02H00. Pelas 18H17 encontram-se no centro do Porto seguem para o centro de Matosinhos pelas 20H00. Pelas 21H00 estão na … de Gaia e seguem para o BF… onde chegam pelas 23H30. Regressam ao Porto onde passam pelo Z… e seguem finalmente para o W… onde estão até às 02H00. Sempre juntos.
• 25/02/2019 – B… e C… juntos desde as 14H00 às 19H30 em … – Porto.
• 26/02/2019 – B… e C… juntos desde as 10H40 às 22H00. Estão juntos na zona … desde as 10H40 às 15H30 e seguem para o centro de Matosinhos onde permanecem até às 19h00 e regressão ao Porto, zona … até às 22h00.
2º incêndio:
02/03/2019
• 04/03/2019 – B… e C… juntos em … – Porto desde as 17H30 às 18H00.
• 12/03/2019 – B… e C… juntos no W… desde 01H20 até às 03H15.
• 28/03/2019 – B… e C…, juntos no AC… em Espinho, onde decorre das intercepções, C… exige dinheiro a B… …
Não mais se encontraram os dois!
Vamos centrar-nos na matéria dada como provada e respectiva motivação. Por outro lado analisaremos as pretensões do recorrente MP, com base na prova prestada por declarações, depoimentos de testemunhas, prova documental, exames e pericial.
A prova obtida quanto ao primeiro e segundo incêndios é indirecta e, se parece fácil determinar o autor moral dos crimes, mais complexo é definir quem são os co-autores (materiais) desses mesmos crimes.
Já nos pronunciamos sobre o primeiro momento desta investida crescente, determinando a prática em co-autoria de um crime de coacção, que o recorrente entendeu classificar como extorsão.
Nos dias 23 de Fevereiro e 2 de Março ocorreram os incêndios do prédio da Rua …, neste sentido impõe-se determinar os co-autores materiais, como parte mais impressiva do recurso do MP.
Dia 23/24 de Fevereiro1º incêndio: factos provados e narrados com os nºs 38, 39 e 40. O fogo deflagrou entre as 2/3 horas da madrugada do dia 24 de Fevereiro de 2019.
Em concreto sobre estes arguidos (B…, C… e E…) sabemos que estiveram no Z… no dia 23, cerca das 23,29 h. Dali seguiram para o AB… onde permaneceram até às 5,00 h (célula AV…). Nessa noite, os arguidos, com excepção do D…, estiveram nesse estabelecimento nocturno com a testemunha AU… (bailarina). Apesar de terem estado no … (AB…) os arguidos B… e C… voltam a falar telefonicamente cerca das 5,55 h. Quando ocorre esta chamada B… está nas imediações do edifício da Rua …. Depois deste primeiro ensaio de incêndio os arguidos B… e C… encontram-se nos dias 24, 25 e 26 de Fevereiro, cfr. fita do tempo (Centro do Porto, Matosinhos, Gaia, BF…, Z…, …, …, novamente Matosinhos e finalmente Porto/…) apresentada pelo recorrente, obtida em sede de investigação. O telefonema do arguido C… para B…, segundo declarações, pretendia saber de uma amiga da AU… (BG…), que tardava em chegar a casa, por estar na companhia do arguido B….
Arguido e testemunha (B… e AU…) descreveram os mesmos factos de forma idêntica. Aqui suscita-se a dúvida. Por que razão o arguido levou a rapariga a casa, suposto que esta vivia com a companheira do C…, AU…. Por que não ficaram no hotel? O que se passou em concreto nessa noite? Ainda mais: o carro do arguido C… terá ficado nas imediações do hotel onde o arguido B… pernoitava.
Não vamos aventar hipóteses pois certamente seriam muitas…
Pretendemos apenas dizer que este ambiente é propício a relações pouco padronizadas e a circunstância de levar a tal pessoa a casa tem tanta lógica, como teria o inverso – de a própria AU… também ter decidido ficar… Sabemos pouco sobre este ambiente e só a investigação poderia saber mais…
O único facto relevante é que B… esteve por volta das 5,00 h da madrugada do dia 24 de Fevereiro nas imediações do edifício da Rua …. Os contactos entre aqueles arguidos já existiam e firmaram-se acentuadamente na frequência em casas de diversão nocturna… Muitas das conversas entre os arguidos são desconhecidas e apenas sabemos por onde andaram, com a certeza de que estes factos, para já, não comprometem o arguido C…. A história da amiga que acompanhou o cidadão (arguido) chinês é normal e não serve para atribuir a autoria do incêndio a quem quer que seja.
O mesmo se diga do facto de o arguido (C…) ter subido um piso por volta das 2,44 h do dia 24 de Fevereiro. O facto de o incêndio ter ocorrido no 1º piso do nº … da Rua … não nos permite concluir que o arguido C… estava a subir escadaria para dar início ao incêndio. A explicação do tribunal a quo é esclarecedora tanto assim que esse mesmo arguido, em ocasiões distintas do dia em que ocorreu o incêndio (24 de Fevereiro) foi subindo 1 ou 2 pisos a diferentes horas.
Sobre a concreta movimentação do arguido C… sabemos muito pouco, a não ser o que resulta da prova referencial emitida pelas células que localizam a área do telemóvel (metadados). Aproveitamos para dizer que os meios de prova com recurso às novas tecnogias precisam de ser coadjuvados com outros meios de prova: prova tradicional… Todos estes hiatos deviam ter sido escrutinados de modo a permitir uma integração mais abrangente…
O C… accionou a célula AV… entre as 00,05 h e as 5,08 h e depois deste horário passa a accionar a AW…, local onde se situa a casa do arguido D…. Da parte do arguido C… não há comunicações entre as 1,56 h e as 2,41 h. Entre o local do incêndio e o … dista cerca de 1Km. A não existência de comunicações durante aquele lapso de tempo permite concluir algo, que este arguido esteve a atear fogo? E é-nos permitido também concluir que o arguido C… deslocou-se do … para a Rua … nessa noite e durante aquele lapso de tempo?
Apenas hipóteses adensadas pelo facto de todos estes arguidos se relacionarem, uns com os outros, por motivos associados à vida nocturna e eventualmente outros interesses, levemente aflorados nestes autos… Estabeleceram ligações, algumas perigosas como no caso do exercício da coacção mas desconhecemos como evoluíram ou se evoluíram para práticas delinquentes mais arrojadas e qual o grau de participação.
Por outro lado o arguido D… acciona a célula AX… às 1,07 h e volta a accionar a mesma célula às 7,07 h. Este arguido trabalhava no estabelecimento W… e habitualmente o seu celular é accionado com chamadas durante a noite. Este arguido não entra nas contas do dia 23 de Fevereiro, designadamente nos encontros ocorridos no AB… ou quaisquer outros locais do Porto e arredores. Será permitido dizer que pelo facto de não ter sido accionada qualquer célula entre aquele hiato de tempo, este arguido esteve na Rua … (?).
A esta pergunta só a investigação podia responder. Há muitas maneiras de integrar a prova tecnológica, contudo, quando apresentada, de modo isolado, revela maior fragilidade, vale dizer apresenta-se como mais falível. O incêndio foi participado às 2,58 h, cfr. fls. 326 do I Volume, depois das 2,41 h assinaladas como limite sem comunicações por parte do co-arguido C….
De facto não há registos de o arguido D… ter estado com os outros arguidos na noite de 23/24 de Fevereiro, tudo indica que não acompanhou os arguidos nessa noite.
A autoria moral dos incêndios nunca esteve em causa e iremos justificá-la oportunamente. Neste caso tudo se apresenta mais complexo e difícil de dirimir. Não temos prova consistente que nos permita afirmar quem são os autores materiais deste primeiro incêndio. Não podemos aderir a qualquer processo de intenções e saltos no escuro podem terminar no abismo.
Sobre o 2º incêndio ocorrido no dia 2 de Março de 2019.
Os arguidos C… e D… negaram ter estado com o arguido B… no dia 2 de Março de 2019.
O D… disse que esteve a trabalhar no W… e o C… que percorreu alguns lugares do Porto, como fez noutras alturas. De curioso o facto do arguido B… ter permanecido sem efectuar chamadas entre as 18,50 h do dia 1 de Março e as 8,25 h do dia 2 de Março (célula BD…).
C… entre as 00,59 h e as 2,31 h accionou a célula AY…. Às 2,49 h accionou a célula AZ….
O arguido C… às 22,10 h accionou a célula AX… (W…) e às 10,02 do dia seguinte, 3 de Março, a célula AW… (habitação).
Estes elementos são escassos para retirar qualquer conclusão.
O arguido chinês esteve durante largo período sem efectuar ou receber chamadas. Esteve em casa (!) – BD….
O C… disse que andou pela cidade, pelo menos há dois sinais de ter estado na AY… e na AZ… (células). Interessante, quando accionou o celular, às 2,48 h do dia 2 de Março, na zona …, subiu 8 andares. O incêndio teve lugar etre as 3,00 h e as 4,30 h do dia 2 de Março e às 3,37 h subiu um (1) piso e aqui permaneceu até às 3,49 h. Esta movimentação, como bem diz o acórdão, não é compatível com o cenário do incêndio. Neste dia alguém teve que subir até ao 3º andar, lugar onde deflagrou o incêndio. Caso para dizer por que razão em determinadas circunstâncias os telefones estão inactivos e noutras servem para demonstrar que alguém subiu ou desceu…
O arguido D… esteve durante largo período sem efectuar chamadas, o que também tinha ocorrido no dia 23 de Fevereiro. Não há informação de actividade entre as 22,10 h do dia 2 de Março e as 10,02 h do dia seguinte. As células são compatíveis com o seu local de trabalho e residência.
Estes elementos de prova permitem fazer inferências de que o C… esteve na Rua … e pelo menos subiu um (1) piso ou que o D… deslocou-se ao local do prédio para proceder ao incêndio? O facto de não terem sido efectuadas chamadas permite-nos afirmar que o arguido andou por outros lugares que não … e a Rua …?
De facto achamos que estes factos provados podem não indiciar suficientemente a co-autoria dos crimes perpetrados. Há proximidades na actuação… mas permanece a dúvida sobre a directa participação daqueles arguidos.
Há porém outros elementos de prova que devem ser ponderados como meios convergentes.
O arguido D… recebeu 2.000,00 € do arguido B….
O arguido D… falou com o primo BA… e disse-lhe: o Chinoca ontem foi lá e deu-me 2.000,00 pauzitos e falou do que se passou no edifício, com especial menção da questão criminal. Mas depois também diz: aquilo começou mesmo dentro do apartamento deles. A conversa continua com referências a mais dinheiro …
A explicação sobre esta quantia não é unívoca: susceptível de uma só interpretação. Ambos os arguidos (B… e D… falam de um empréstimo por causa do conserto de um veículo). A conversa inicial não inculca empréstimo, porém resulta dos autos este arguido ter apoiado B… desde que chegou a território nacional. Porquê pagar a este e não aos outros? A conversa com a companheira brasileira já não é rigorosamente a mesma que fez com o primo, muito embora não tenha esclarecido a que título recebeu o dinheiro. O arguido D… no 1º interrogatório esclareceu que este dinheiro era para fazer face as despesas judiciais por causa de um processo por desobediência … Nos autos também surge outra explicação: a de que o dinheiro foi dado por causa de intermediação na compra de um imóvel em Lisboa. O esclarecimento cabal para a entrega deste valor não foi conseguido. As relações do arguido chinês com os co-arguidos D… e C… tiveram início na discoteca W… e cresceram, não vemos razão para os outros arguidos, pretensamente colaboradores, não terem sido objecto de liberalidades idênticas à do arguido D…. Este assunto não permite uma linha de raciocínio uniforme.
Sobre os valores recebidos pelos arguidos D… e C… temos dois factos dados como provados:
58. No dia 27 de Março de 2019, à noite, no interior do estabelecimento “W…”, o arguido B…, entregou 2.000€ no interior de um envelope, ao arguido D….
59. No dia 28 de Março de 2019, pelas 15h00, o arguido B… entregou quantia monetária de valor não apurado ao arguido C…, tendo esta entrega ocorrido no “AC…”, em Espinho.
Estes são os elementos mais consistentes sobre a participação destes arguidos, mesmo assim, convenhamos, os valores são pouco expressivos para tarefa tão engenhosa e arriscada… No primeiro caso simplesmente 2.000,00 € e quanto ao C…, além de não termos ideia sobre o valor sabemos pelo menos que o arguido B… resistiu à gratificação. Depois desta data cessaram os contactos e o arguido chinês desapareceu, no sentido de: ficou incontactável … Estes valores são compatíveis com o empenho delinquente na prática de dois crimes de incêndio punidos gravemente? Esta prova, para utilizar um termo do acórdão a quo, casa mal com os movimentos celulares. Acresce que os arguidos E…, C… e D… relacionaram-se com o arguido chinês na noite do Porto com participação e interesses distintos. De lembrar que a tentativa de conseguir um acordo com os inquilinos foi reconhecida pelos arguidos intervenientes. Estranho que nas datas do primeiro e segundo incêndios ninguém tenha visto os arguidos nas imediações. As imagens fornecidas pelas câmaras de vigilância de estabelecimentos comerciais são inconclusivas e não permitem idenficar as pessoas que por ali passaram.
Em conclusão não podemos extrair certezas sobre a participação no primeiro e segundo crimes de incêndio dos arguidos E…, C… e D…, os meios de prova não são conclusivos: depoimentos, testemunhos, documentos, exames, movimentos das células dos telefones e outros não são suficientemente graves, precisos e concordantes de modo a proporcionar um juízo incriminatório. Efectivamente a prova indiciária, indirecta ou circunstancial não é propriamente um meio de prova mas tão só um método de valoração judicial de determinados factos ou circunstâncias trazidos aos autos de modo a permitirem a dedução da existência de outros. A jurisprudência internacional, seguida por alguns acórdãos do STJ, tem sido muito exigente. O terrorismo e a criminalidade (organizada) internacional, sobretudo económico-financeira, forçaram este método, apesar de tudo, foi possível chegar a um consenso sobre indícios/inferência, como salvaguarda de um princípio tão caro: a presunção de inocência. Assim: a) os factos-base (indícios) têm de estar plenamente provados; b) os factos constitutivos do delito e a participação do arguido devem deduzir-se daqueles factos-base, exigindo-se que estejam completamente provados; c) para comprovar a razoabilidade da inferência é preciso, em primeiro lugar, que o tribunal exteriorize os factos fixados nos autos (indícios), e explique a racionalidade lógica entre factos-base e factos-consequência, d) finalmente, que a racionalidade da acção obedeça a critérios de interpretação e regras de experiência – compreensão racional da realidade, segundo critérios colectivos vigentes. De perto, José Martínez Jiménez – Derecho Procesal Penal, 3ª Edição Tecnos, fls 342/343.
Em conclusão, apesar de alguma matéria indiciária, não temos prova suficiente que nos permita um juízo de valor incriminatório.
Improcede esta pretensão do recorrente.

C) O Tribunal a quo tratou os crimes de homicídio qualificado – consumado e tentado – na previsão dos artºs 131 e 132 nº 2 do CP, na forma de dolo necessário (artº 14 nº 1 do CP).
Nos artºs 81 e 82 da matéria dada como provada o Tribunal disse que o arguido B… pretendeu destruir o locado, no sentido de o tornar inabitável, e não directamente causar a morte aos residentes da habitação.
Vejamos a descrição dos factos:
81. O arguido B…, agiu ainda de forma livre e consciente, querendo provocar o incêndio do imóvel acima identificado, a fim de destruir o locado, bem sabendo que o incêndio assim ateado causaria “necessariamente” a morte das pessoas que se encontrassem no seu interior, o que na primeira data – em 24.02.19 - o arguido apenas não logrou por motivos alheios à sua vontade.
82. Já em 02.03.19, o arguido B…, fez deflagrar incêndio sobre o referido edifício, com o propósito de destruir o locado, sabendo que com isso causaria “necessariamente” a morte dos seus habitantes – a saber M…, Q…, N… e S… - o que veio a acontecer quanto a S…, por forma a desocupar o prédio sua pertença, bem sabendo que tal conduta era idónea para aquele efeito, quer por via de asfixia ou de queimaduras graves, resultado que aceitou como necessário.
O recorrente entende que perante a matéria dada como provada nos factos com os nºs 40, 41, 42, 43 e 44, o arguido sabia qual a única saída do prédio, quem se encontrava em casa e as diculdades que teriam naquele contexto para conseguir sair dali com vida.
O dolo directo previsto no artº 14 nº 1 do CP manifesta-se numa intenção criminosa onde o agente prevê e tem por objectivo a realização do facto criminoso. No dolo necessário o agente sabe que como consequência da sua conduta (incendiar) vai preencher um determinado tipo de crime e mesmo assim não se abstem de a empreender. O agente actuou representando “necessariamente” a morte de alguém. Entre pretender a realização do facto criminoso morte e representar necessariamente a morte, não se abstendo, apesar disso, de praticar a conduta, vai uma diferença de graduação no processo intencional …
Em nossa opinião o que nos parece questionável é a graduação entre dolo necessário e eventual pela circunstância de saber se o agente representou o resultado morte como possível ou necessário. A prova não deixa dúvidas quanto ao dolo necessário, contudo não esquecer que o móbil é o incêndio, acontece que nas circunstâncias fixadas, a representação da morte como necessária é mais consentânea com a realidade dos factos. Veremos mais adiante que quanto aos ocupantes do prédio contíguo, quadra melhor, na nossa opinião, a classificação de dolo eventual.
Também nos parece acertado dizer que o arguido B… quis destruir o locado ou pelo menos tornar inviável a sua utilização para ser habitado… O objectivo centrou-se no locado, porém como diz o tribunal a quo: … o resultado morte surge como necessário e não, como na previsão do artº 285 do CP (agravação pelo resultado), um resultado não previsto ou desejado. Assim julgamos que estando o resultado morte presente, como necessário, na decisão e conduta do arguido B…, ainda que como mandante, a punição deste resultado deva ocorrer nos termos previstos no artº 132 nº 2 alª h) do CP. De seguida também veremos que a qualificativa prevista no artº 132 nº2 alª e) do CP justifica-se com o propósito de conseguir uma vantagem patrimonial – determinação por avidez.
O dolo necessário também nos parece mais ajustado ao caso concreto.
Quanto aos restantes arguidos a exclusão da sua participação torna supérflua esta caracterização.
Em bom rigor importa, para já, afirmar que o arguido B… incorreu na prática, como autor material (moral) e em concurso real, de um crime de incêndio na forma tentada e um outro crime de incêndio consumado, nos termos dos artºs 22, 23 e 272 nº1 alª a), todos, do CP.

d) Desqualificação prevista no artº 132 nº 2 alª e) do CP.
Esta alínea encerra várias subcausas: se determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer outro motivo torpe ou fútil.
O recorrente alega que o tribunal pronunciou-se por algo bem diferente: qualquer motivo torpe ou fútil. A acusação ao enunciar a alª e) do nº 2 do artº 132 do CP não tem em vista este motivo, mas sim o facto de o arguido se determinar por avidez. O agente pretendia ter o imóvel livre de pessoas e bens pois entretanto tinha celebrado um negócio com terceiros onde se comprometeu, contratualmente a entregar o edifício livre de ónus ou encargos. O arguido chinês ganhou avultada soma pecuniária nesta transacção, por isso pretendia obter vantagens de ordem material com a realização do crime. A conduta revela especial censurabilidade ou perversidade porque praticada por avidez, ganância em conseguir um rápido enriquecimento.
Mantem-se esta alª e) agravativa, além das outras, por referência à determinação (actuação) do agente por avidez.
Procede o recurso quanto a esta pretensão.
Como consequência destes dois últimos fundamentos: alegação sobre o dolo directo e agravação pelo facto de o arguido ter actuado com avidez, entende o recorrente que as penas parcelares dos crimes de homicídio qualificado consumado e tentado devem crescer - consequente modificação da medida concreta das molduras penais.
Se atentarmos nas medidas concretas das penas de homicídio qualificado e tentado fixadas pelo tribunal a quo facilmente concluímos que são justas e adequadas ao caso concreto. Esta condenação é privativa do arguido B…, condenado a 20 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado consumado e pela prática de 3 crimes de homicídio na forma tentada, cada um punido com 9 anos de prisão. Apesar desta última agravante, uma vez que se mantém o dolo necessário, ainda subsiste a da alª h) do nº 2 do artº 132 do CP. As exigências de prevenção especial e geral, medida da culpa e circunstâncias que envolveram a prática do crime, onde urge salientar a não confissão e não manifestação de arrependimento, a par da vontade criminosa reiterada e forte alarme social, justificam manutenção das moduras parcelares do crime de homicídio.
Mantêm-se as medidas concretas (parcelares) das penas aplicadas ao arguido B… pela prática dos crimes de homicídio consumado e tentados (3).

E) Da absolvição do arguido B… pela prática de 2 (dois) crimes de homicídio qualificado na forma tentada (artºs 22, 23, 132 nºs 1 e 2 alªs e) e h) do CP) na pessoa dos ofendidos O… e P….
Estas pessoas habitavam no prédio contíguo – nº … da Rua … – que também ficou totalmente destruído.
O tribunal fundamentou esta absolvição nos seguintes termos:
“….Outrossim, com a sua conduta o arguido B… pôs em perigo a vida de todos os ocupantes do 3º piso do nº …, da Rua …, de tal modo que a morte, que aquele assumiu como necessária à desocupação do imóvel, só não lhes adveio por razões alheias à sua vontade.
Já quanto aos habitantes do nº …, da Rua …, O… e P… cuja habitação foi consumida pelo fogo ateado a mando do arguido no nº …, importa atender ao facto de não ter resultado provado que o arguido B… soubesse que o imóvel era habitado.
Nesta medida não poderá ser-lhe imputada a prática do crime de homicídio, na forma tentada, ainda que a título de dolo eventual…
Esta explicação não pode olvidar outros factos dados como provados, designadamente os factos nºs 36, 190/193.
Pela importância que revestem passamos a enunciá-los:
36. O arguido B… sabia que o prédio em questão se inseria numa linha contígua de prédios antigos, construídos com materiais inflamáveis (v. g. madeira), e sabia ainda que, à data dos factos, o acesso à Rua … estava vedado à circulação de viaturas, encontrando-se bloqueado por taipais (na verdade, tal acesso, pelo menos por veículos, só poderia ser efetuado através da Rua …), dificultando qualquer auxílio a prestar.
(…)
190. Mostra-se inscrito a favor da sociedade K… a aquisição do direito de propriedade do imóvel composto de cave, rés-do-chão, três andares e sótão, sito na rua …, nºs, …, … e ….
191. Aquando do incêndio supra descrito as frações do imóvel encontravam-se arrendadas, especificamente:
- nº …, r/c, a BH…, no valor mensal de € 200, 00;
- nº …-…, r/c, a BI…, S.A., no valor mensal de € 704, 65 (1º andar renda mensal de € 228,05, 2º andar 214, 75);
- nº …, 3º andar, a O…, no valor mensal de € 385, 60.
192. O edifício, tem características arquitetónicas de arte nova tardia.
193. Em 2001, foi objecto de obras de recuperação da fachada, no valor de € 13.589,84, pelo que se encontrava em bom estado de conservação.
Perante este conhecimento por parte do arguido B… era muito difícil dar como não provado que o arguido … não sabia … que o incêndio ateado … podia … estender-se aos prédios contíguos, sabendo que os mesmos também tinham habitantes o que admitiram como possível e com o que se conformaram, apenas não tendo provocado a morte de O… e P…, por circunstâncias alheias às suas vontades.
Há uma clara incongruência entre este facto dado como não provado e os outros factos dados como provados sobre a mesma matéria. Mas o Tribunal a quo não se fica por aqui e diz expressamente, em sede de enquadramento jurídico-penal, o perigo em que incorriam os prédios vizinhos:
“…atendendo às características do imóvel, que acima se deram como provadas é do normal conhecimento do comum dos cidadãos que, esta conduta é idónea a provocar um incêndio – como veio a acontecer no dia 2 de Março – e, consequentemente, a pôr em perigo, os edifícios adjacentes e as pessoas neles residentes e respetivos bens e mesmo transeuntes, ou veículos automóveis aí estacionados (…)”
A motivação, desenvolvida pelo tribunal a quo, deixou-se arrastar pelo depoimento do arguido ao revelar falta de conhecimento, ou seja que imóvel adjacente era habitado.
O arguido jamais podia desconhecer o estado e inserção física do prédio e o corte da Rua por causa de obras no edifício oposto (AJ…) mesmo que desconhecesse a favor de quem estava inscrito - Sociedade K…, Ldª - e a subsistência de um contrato de arrendamento, titulado por O… – pelo que, neste sentido, não é possível excluir a responsabilidade do arguido B…, ainda que a título de dolo eventual. Quem ateia fogo numa rua de prédios contíguos tem forçosamente de admitir que podem estar pessoas nos prédios vizinhos. Este facto só pode ser ilidido justificando concretamente uma determinada situação, o que não ocorreu.
O tribunal devia ter dado como provado a prática de 2 (dois) crimes de homicídio qualificado tentado, na pessoa dos habitantes do nº … da Rua …, a título de dolo eventual – previsão do resultado como consequência possível da conduta. O arguido não se absteve desta prática, conformando-se com a produção do resultado.
O recorrente fala de erro de julgamento (impugnação da matéria de facto) mas esta contradição compagina-se mais com vício do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência. Há uma contradição insanável na fundamentação, uma vez que sobre a mesma questão há posições insanáveis e inconciliáveis, precisamente o caso de dar o mesmo facto como provado e não provado. Nesta circunstância temos todos os elementos nos autos para decidir a causa e dar como provado que o arguido B… sabia, não podia deixar de admitir, que o fogo podia alastrar ao prédio vizinho, com graves consequências para os habitantes. Mais, o arguido não podia desconhecer a contiguidade dos prédios e admitir a sua ocupação por moradores.
Apenas subsistem dúvidas se o arguido conhecia a situação jurídica do prédio adjacente, designadamente propriedade e manutenção de eventuais contratos de arrendamento. Os prédios destinam-se à habitação e comércio e qualquer outro estado/utilização do imóvel deve ser demonstrado nos autos.
Resta-nos dar o seguinte facto como provado:
O arguido B… sabia – não podia ignorar - que o incêndio ateado alastraria aos prédios contíguos. Assim o arguido B… não podia deixar de admitir como possível que o edifício nº … da Rua … era habitado por alguém, admitindo como cenário possível a morte dos ocupantes (O… e P…), conformando-se com esse facto, o que só não ocorreu por circunstâncias estranhas à sua vontade.
Este facto será levado à rubrica dos factos provados.
Pela responsabilidade destes factos, ainda que a título de dolo eventual, incorre o arguido na prática de mais dois crimes de homicídio tentado (artºs 22, 23, 73, 131 e 132 nºs 1 e 2 alªs e) e h) todos do CPP). Se na primeira variante atribuímos a prática dos crimes tentados com exercício de um dolo necessário, entendemos agora, que pelo menos, o arguido não poderá deixar de ser sancionado a título de dolo eventual. A moldura penal concreta continuará a pautar-se pela medida da culpa, circunstâncias exógenas ao tipo de crime e prevenção especial e geral. Neste caso é precisamente a menor intensidade da culpa que nos leva a diminuir a moldura concreta da pena para os 7 (sete) anos de prisão. Assim o arguido B… pratica mais dois crimes de homicídio qualificado na forma tentada, na pessoa daqueles inquilinos, respectivamente em 7(x2) anos de prisão.
Procede o recurso quanto à matéria terminada de apreciar.

E - Da absolvição dos arguidos B…, F… e G…, Unipessoal Ldª, pela prática, em co-autoria, de um crime de branqueamento de capitais, na previsão do artº 368-A nºs 1 e 2 e 11 nº 2 alª a) do CP.
Estes arguidos foram acusados e pronunciados nos termos acima referidos.
Desde logo transcrever os factos citados pelo recorrente de modo a fazer o alegado enquadramento do crime de branqueamento de capitais:
14. A determinada altura, arguido B… decidiu vender o prédio sito na Rua … nº …, livre de pessoas e bens.
15. A concretização de tal desiderato, impunha o termo do contrato de arrendamento de duração ilimitada celebrado pelo anterior proprietário há cerca de 50 anos, com a inquilina M… e a ocupação por esta e pelos seus três filhos, do 3º andar do prédio.
21. Em 28 de Novembro de 2018, o arguido B…, em representação da sociedade “G…”, celebrou um contrato de promessa de compra e venda do imóvel sito no nº … da Rua …, pelo valor de 1.200.000€ (um milhão e duzentos mil euros), comprometendo-se a entregar em 31 de Maio de 2019, o referido prédio livre de pessoa e bens, bem como de quaisquer ónus e encargos, a V….
22. Na sequência da celebração do referido contrato promessa, o arguido B…, recebeu, a título de sinal, faseadamente, a quantia total de 160.000 00 € (cento e sessenta mil euros).
23. O não cumprimento deste contrato promessa e a sua não entrega livre de pessoas e bens implicaria para o arguido B… e para a sociedade que representava um prejuízo de 320,000 €, tendo em conta o valor do sinal.
68. A 26 de Agosto de 2019, a arguida F…, como legal representante dos arguidos B… e “G…, Unipessoal, Lda.”, celebrou com AG…, na qualidade de representante da sociedade “AH…, Ldª.”, a escritura de venda do imóvel sito na Rua … nº …, no Porto, pelo preço prometido de 1.200.000€ (um milhão e duzentos mil euros), isto é com uma valorização sobre o preço de aquisição de cerca de 100%.
69. A sociedade “AH…, Lda.” é detida em partes iguais por V… e AG….
70. A sociedade “G… - Unipessoal, Lda.” é titular da conta nº ……….. do T…, aberta em 10 de Outubro de 2016, na qual foram recebidos os pagamentos relativos à venda do imóvel em causa, a saber:
- em 29 de Novembro de 2018, a quantia de 60.000€, por depósito de cheque;
- em 21 de Dezembro de 2018, a quantia de 40.000€, por transferência recebida de V…;
- em 1 de Abril de 2019, a quantia de 60.000€, por transferência com origem em conta de V… junto da AI…;
- em 29 de Agosto de 2019, a quantia de 1.040.000€, pelo depósito de um cheque bancário emitido pelo T…, pago por débito de uma conta de V… junto do mesmo banco, para onde tinham sido transferidos fundos, designadamente com origem em França.
71. Após o recebimento desta parte final do pagamento do preço, isto é, do montante de 1.040.000€, a conta da “G… - Unipessoal, Ldª ” junto do T… passou a registar um saldo de 1.078.884,21€.
72. Posteriormente, o arguido B…, por si e na qualidade de legal representante da “G… – Unipessoal, Lda.”, decidiu movimentar os fundos da conta da referida sociedade para a conta pessoal do arguido, também do T…, com o nº ……….. e, posteriormente, para a China.
73. A arguida F… é procuradora do arguido junto do T….
74. Deste modo, entre o dia 6 de Setembro de 2019 e 1 de Outubro de 2019, a arguida realizou treze transferências de 50.000,00€ cada – no valor global de 650.000,00€ - entre a conta nº ……….. da “G…, Unipessoal, Lda.” e a conta pessoal do arguido B… com o nº ……….., ambas do T…, justificando a operação bancária como pagamentos de dívidas que a arguida “G… – Unipessoal, Lda.” tinha para com este arguido.
75. Em 28 de Novembro de 2016, o arguido B… transferiu da sua conta pessoal para a conta da sociedade G…, unipessoal, Ldª a quantia de € 640.000,00.
76.A 28 de Novembro de 2016, sociedade G…, Unipessoal, Ldª, por seu turno, emitiu o cheque bancário nº ………., no valor de € 645.000,00.
77. Em 10 de Outubro de 2019, conforme acordado com o arguido B…, a arguida F… deu instruções ao T… relativas à conta pessoal daquele arguido de transferência de fundos, cada uma no valor de 300.000€, no montante total de 600.000€, com destino à China, e que o T… se absteve de executar, tendo dado origem à suspensão de operações bancárias judicialmente determinada.
78. A conta nº ……….. titulada pelo arguido B… apresentava, em 16.10.19, um saldo de 594.840,67€, que lhe permitia satisfazer a primeira das transferências a débito para a China, no montante de 300.000€.
79. Na mesma data, a conta nº ……….. titulada pela arguida “G… – Unipessoal, Lda.” apresentava um saldo de 340.085,45€,
81. O arguido B…, agiu ainda de forma livre e consciente, querendo provocar o incêndio do imóvel acima identificado, a fim de destruir o locado, bem sabendo que o incêndio assim ateado causaria necessariamente a morte das pessoas que se encontrassem no seu interior, o que na primeira data – em 24.02.19 - o arguido apenas não logrou por motivos alheios à sua vontade.
82. Já em 02.03.19, o arguido B…, fez deflagrar incêndio sobre o referido edifício, com o propósito de destruir o locado, sabendo que com isso causaria necessariamente a morte dos seus habitantes – a saber M…, Q…, N… e S… - o que veio a acontecer quanto a S…, por forma a desocupar o prédio sua pertença bem sabendo que tal conduta era idónea para aquele efeito, quer por via de asfixia ou de queimaduras graves, resultado que aceitou como necessário.
85.O arguido B… determinado que estava em desocupar o imóvel pelo fogo, aceitando como necessária a morte dos seus habitantes agiu com desprezo pela vida e sofrimento alheios, que não hesitou em sacrificar para a realização daquele objetivo.
O tribunal não fez a aleitura do branqueamento e concluiu pela licitude do ganho, nos termos do contrato estabelecido, acabando por dizer que falta a priori o elemento nuclear do crime de branqueamento – ilicitude precedente. Em sede de direito o tribunal a quo procura esmiuçar esta operação de modo a julgar a matéria de facto como não integradora do crime de branqueamento. Remetendo os factos para a rubrica dos não provados – ver alªs o) e x).
(…)
A 26 de Agosto de 2019, a arguida F…, enquanto legal representante da sociedade G…, Unipessoal, Ldª celebrou com AG…, qualidade de representante da sociedade AH…, Ldª, a escritura de venda do imóvel sito na Rua …, nº …, no Porto, pelo preço prometido de 1.200.000,00
Após o recebimento do preço de compra e venda do imóvel sito na Rua …, nº …, no montante de € 1.040.000,00, a conta da sociedade arguida G… - Unipessoal, Ldª, junto do T…, passou a registar um saldo de € 1.078.882,21.
A arguida F…, enquanto procuradora do arguido B… junto do T…, entre 6 de Setembro 2019 e 1 de Outubro de 2019, realizou 13 transferências de € 50.000,00, cada, no valor global de 650.000,00, da conta nº …………, titulada pela sociedade G… – Unipessoal, Ldª para a conta nº ……….., titulada pelo arguido B….
Em 10 de Outubro de 2019 a arguida I… deu instruções ao T… relativas à conta pessoal de B…, de duas transferências de fundos, cada uma no valor de € 300.000,00.
As operações bancárias que vimos de referir estão claramente vertidas nos extractos bancários juntos aos autos.
Afirma a acusação que estas quantias contabilizam a vantagem patrimonial obtida pelo arguido B… com a concretização do negócio de compra e vendado do imóvel, concretização que só se tornou possível com a prática dos crimes de incêndio e homicídio.
Antes ainda de nos debruçarmos sobre se o valor transferido pela arguida F…, em representação da sociedade arguida para a conta do arguido B…, representava alguma vantagem patrimonial, importa questionar a natureza ilícita daqueles valores.
Afirma a acusação que os valores são o resultado, ainda que indirecto, do crime de incêndio e consequente homicídio agravado nas formas consumada e tentadas.
Salvo o devido respeito não fazemos essa leitura dos factos.
Na verdade, o “ganho” obtido é proveniente de um negócio lícito, a compra e venda. A ocorrência do incêndio pode, quando muito, ter tido influência no “tempo” do contrato, tanto assim que não ficou demonstrada a “urgência” do promitente-comprador na celebração do contrato definitivo. Ao invés, o mesmo vinha a peticionar ao arguido a prorrogação do prazo para o cumprimento da promessa. Por outro lado, a ocorrência do incêndio, com a extensão assumida, poderia fazer perigar o interesse do promitente-comprador na aquisição do imóvel. Refira-se que, em audiência de julgamento a testemunha V… mencionou essa questão, esclarecendo que fez a compra por a filha ter muito interesse no imóvel.
A concluir-se pela licitude do ganho, como julgamos dever concluir, falha à priori o elemento nuclear do crime de branqueamento.
Acresce que, retomando a questão da vantagem patrimonial, e fazendo uma análise objetiva da conduta dos arguidos temos de concluir que o valor transferido para a conta do arguido B…i, havia sido por este transferido para a conta da sociedade G…, Unipessoal, Ldª dotando-a de fundos para aquisição do imóvel sito na Rua …. O que, aliás resulta dos factos provados. Ou seja, em boa verdade as transferências efectuadas pela arguida F… contabilizam o valor transferido pelo arguido B… para a conta da sociedade G…, Unipessoal, Ldª.
Ao invés, o remanescente do preço, não foi transferido para a conta pessoal do arguido e, pese embora se afirme na acusação que os arguidos pretendiam transferir esse valor para a conta pessoal do arguido B…, essa factualidade não resultou provada.
Por último importa ter presente que as transferências de valores ocorreram sem dissimulação, num primeiro momento da conta do arguido B… para a conta da sociedade arguida e, posteriormente, da conta desta para a do arguido.
O que verdadeiramente importa, face aos elementos objectivos e subjectivos do tipo de branqueamento, tal como previstos no artº 368-A do CP, é que se possa afirmar que as importâncias pecuniárias recebidas e enviadas a terceiros pelos agentes do crime se inseriram num comportamento direcionado para os fins de ocultação e dissimulação da origem criminosa das mesmas.
Ora, no caso dos autos está documentalmente provado que o dinheiro transferido pelo arguido B… para a conta da sociedade G…, Unipessoal, Ldª se destinou à aquisição – negócio lícito – do imóvel sito na Rua … nº …. Do mesmo modo, após a venda do imóvel à sociedade AH…, Ldª, a arguida F…, a mando do arguido B…, creditou o valor emprestado à sociedade arguida, na conta deste. Não descortinamos, nestes movimentos quaisquer condutas tendentes à dissimulação de valores.
É certo que o valor devolvido ao arguido o foi em parcelas de € 50.000,00. Mas a razão de ser deste facto foi esclarecido em sede de audiência de discussão e julgamento e, por outro, se o objectivo era dissimular os valores transferidos, seria mais adequado que a transferência se fizesse ao longo de algum tempo e não, numa mesma ocasião e de forma tão visível.
Por tudo o exposto julgamos que a matéria de facto dada como provada não é subsumível no crime de branqueamento, p.p. pelo artº 368-A, nºs 1 e 2, pelo que se impõe a absolvição dos arguidos B…, G…, Unipessoal, Ldª e F…, da sua prática…”
É preciso levar muito a sério a questão do conceito de vantagem previsto no artº 368-A (branqueamento de capitais) e artº 110 nº 1 alª b) – perda de vantagens - ambos, do CP. A ideia é precisamente de que os benefícios económicos obtidos com a prática do crime devem ser confiscados de modo a que a situação volte ao estado inicial, ou seja à situação anterior ao cometimento dos factos. Oportunamente, voltaremos a este aspecto doutrinal como marco importante de que, qualquer benefício patrimonial conseguido atavés do crime, deve ser restituído.
Vamos ao caso concreto pelo carácter sui generis que encerra.
O contrato promessa, no valor de 1.200.000,00 €, foi celebrado no dia 28 de Novembro de 2018 entre o arguido B…, em representação da G…, e V…. O promitente-vendedor comprometeu-se a entregar o prédio livre de pessoas e bens, ónus e encargos, em 31 de Maio de 2019.
O incumprimento deste contrato tinha uma clâusula penal no valor de 320.000,00 €. Lembramos que o arguido promitente-vendedor recebeu, a título de sinal, faseadamente, a quantia de 160.000,00 €.
Já depois da prática dos crimes – 26 de Agosto de 2019 - a arguida F…, como representante legal dos arguidos G… e B…, celebrou com AG…, representante da AH…, Lª, escritura de compra e venda do imóvel (contrato-prometido), pelo preço assinalado no contrato-promessa – 1.200.000,00 €.
Reparar que os movimentos deste capital, por via da aquisição do imóvel, foram a título de adiantamento, os seguintes:
- em 29 de Novembro de 2018, a quantia de 60.000€ - depósito por cheque;
- em 21 de Dezembro de 2018, a quantia de 40.000€ - transferência recebida de V…;
- em 1 de Abril de 2019, a quantia de 60.000€ - transferência com origem em conta de V… junto da AI… e
- em 29 de Agosto de 2019, a quantia de 1.040.000€ - depósito de um cheque bancário emitido pelo T…, pago por débito de uma conta de V… junto do mesmo banco, para onde tinham sido transferidos fundos, designadamente com origem em França.
Depois desta parte final do pagamento do preço a arguida F…, procuradora do arguido junto do T… decidiu, no dia 6 de Dezembro de 2019, iniciar um circuito de transferências, entre a conta da G… e a conta pessoal do arguido B…, justificando esta movimentação com pagamento de dívidas que aquela sociedade tinha perante este arguido, representante.
Como se pode ver os factos com os nºs 74/78 atestam as movimentações de capitais entre a pessoa colectiva e o arguido, com propósito de remeter avultados valores para a China o que só não conseguiram porque foi ordenada a suspensão de actividades bancárias quanto a estes arguidos intervenientes…Salientar que o fraccionamento da quantia em valores de 50.000,00 € destina-se a evitar um apertado controlo do compliance bancário, efectuando transferências em pequenas parcelas, de modo a não suscitar suspeitas sobre a origem ilícita do capital. A quantia movimentada corresponde ao valor lucrado com a venda, depois do prédio estar devoluto, por força dos crimes de incêndio e homicídio.
Sobre a licitude do contrato-promessa temos a dizer algo.
O arguido B… recebeu a título de sinal, faseadamente 160.000,00 €, uma destas prestações já se processou depois da prática do crime: 60.000,00 € em 1 de Abril de 2019. A maior tranche veio depois, também quando o crime já era do domínio público – 29/Agosto/2019 (1.040.000,00 €), muito depois do termo do contrato-promessa e da obrigação de entregar o prédio livre de pessoas e bens – 31/Maio/2019 - O arguido já havia sido detido e preso no dia 27/06/2019 - O promitente-comprador, avisado, aguardou, para ver. A arguida F…, com procuração do arguido B… e actuando como representante da G… encarregou-se do resto do trabalho sobre os escombros do prédio com várias pessoas desalojadas e uma vítima mortal. Promitente-vendedor, representante legal (F…) e promitente-comprador AH…, Ldª sabiam o que estavam a fazer. O promitente-comprador não hesitou: com um raciocínio simplista rapidamente percebeu que já tinha desembolsado 160.000,00 € e só restava dar o passo em frente, no sentido da aquisição do imóvel, sob pena de perder as entradas de capital, uma vez que o promitente-vendedor estava preso, com o aparelho judicial a movimentar-se. Já tinha efectuado prestações, por isso, com o arguido representante legal preso, qualquer incumprimento (cível) revertia a seu desfavor. Apesar da prática de crimes graves pelo arguido B…, a sociedade promitente-compradora avançou para o contrato definitivo e ficou com o prédio devoluto. Afinal foi assim que o chinês se comprometeu: entregar o prédio livre de pessoas e bens. A prática de vários crimes e uma vítima mortal passou a ser irrelevante. Veja-se que o contrato definitivo é de 26 de Agosto de 2019 – muito depois da prática dos crimes, com lucro (555.000,00 €) de 100% - uma elegia à especulação imobiliária.
Se há dúvidas sobre a licitude do contrato-promessa, dúvidas não restam quanto ao contrato definitivo. Vamos explicar o nosso entendimento/raciocínio. O contrato-promessa cria uma obrigação de contratar, uma obrigação de prestação de facto positiva e rege-se pelo princípio da equiparação. O conteúdo e amplitude do contrato promessa variam, de acordo com a obrigação de meios, nada impedindo, legalmente, o promitente-vendedor de usar de diligência de meios para obter a coisa, livre de ónus e encargos, a fim de cumprir a obrigação de resultado. As prestações no âmbito desta amplitude podem ser faseadas, assumindo semelhanças com uma execução continuada até ao termo estabelecido. Aqui passou-se, precisamente, o que teoricamente deixamos explanado. O arguido comprometeu-se a entregar o bem livre de pessoas e bens, estabeleceu metas de cumprimento no contrato (execução continuada), duas delas prestadas quando os crimes já tinham sido praticados. Aliás o tribunal a quo declara receosamente que a ocorrência do incêndio pode ter tido influência no “tempo” do contrato, tanto assim que ficou demonstrada a urgência do promitente-comprador na celebração do contrato definitivo. Se há alguma dúvida sobre a legalidade do contrato-promessa, celebrado antes da prática dos crimes, o mesmo não se pode dizer do contrato definitivo, ultimado, muito depois de o crime ter sido cometido e noticiado, quando o principal arguido já estava preso.
Daí que o recorrente (MP) coloque em causa a licitude do contrato definitivo. Nós dizemos mais: questionamos também a licitude de parte do contrato promessa, designadamente o cumprimento de prestações depois do pleno conhecimento da prática do crime.
A definição do objecto negocial é incontornável para aferir da licitude dos contratos. O comprador precisava deste imóvel devoluto e não hesitou em ultimar a promessa e celebrar o contrato prometido quando soube que só restavam ruínas. Tudo leva a crer que este negócio é contrário à ordem pública, nomeadamente à ultrapassagem de tipologias criminais imperativas e graves, ainda que praticadas por terceiro, neste caso o parceiro negocial (representante), para realizar um negócio nos termos em que tinha sido estabelecido. Vale dizer o crime - ou crimes – serviu (ram) para proporcionar a realização do contrato de compra e venda. A licitude do contrato definitivo é aparente e configura uma espécie de negócio em fraude à lei. A viabilidade do negócio ultimou-se com o crime de incêndio – entrega alodial do prédio – sem ónus ou encargos. Da parte do arguido B… e associados nada espanta, do promitente-comprador, actual proprietário, exigia-se mais, pelo objecto do negócio ser imoral e visar postergar normas imperativas de ordem pública. Sobre esta matéria disciplina o artº 280 do CC - Código Civil Anotado/Pires de Lima e Antunes Varela – VI, comentário ao artº 280 do CC. Ainda Teoria Geral da Relação Jurídica V 1º – Sujeitos e objecto, fls. 187 e segs – Coimbra Editora 1960. Teoria Geral das Obrigações V 1º - fls.155 e segs – Livraria Almedina – 1958 – obras de Manuel de Andrade.
Esta matéria cível só é tratada pelo facto de se demonstrar a não licitude de alguns requisitos negociais. Sabemos a que obriga o princípio da adesão (artºs 71/72 do CPP) e as suas consequências, no limite, de definir uma invalidade absoluta (artº 289 do CC), caminho pouco recomendável, uma vez que o processo-crime permite a utilização de outras vias alternativas bem mais eficazes.
A observação do recorrente é legal e pertinente.
O arguido B… só logrou a desocupação do imóvel mediante a prática de crimes de incêndio e homicídio. Neste sentido a realização do contrato de compra e venda só foi possível (fim) através da prática daqueles crimes, de onde urge questionar a licitude da vantagem obtida, uma vez que é decorrente da prática dos citados crimes. Foram estes crimes que viabilizaram a realização do contrato-definitivo. Foi este o propósito do arguido B…, mandante do crime, como também foi a circunstância de o prédio já estar desocupado que levou o comprador a realizar o negócio definitivo quando sabia muito bem que o limite temporal para celebrar o contrato prometido havia sido ultrapassado.
A vantagem decorre de um facto ilícito precedente.
A vantagem económica foi alcançada porque o arguido B… logrou conseguir desocupar o prédio mediante a prática de crimes de incêndio e homicídio de modo a poder satisfazer a pretensão do comprador: adquirir o imóvel livre de pessoas e bens.
Esta matéria está provada. Sobre a prática dos factos as evidências falam por si. A testemunha compradora disse claramente que o prédio só interessava devoluto. O lucro proporcionado só ocorre por via do incêndio – a conexão do crime com a vantagem patrimonial não suscita dúvida, muito embora a aparente licitude do contrato.
Depois de satisfeita a última prestação - 29 de Agosto de 2019 - as condições objectivas para celebrar o contrato definitivo estavam preenchidas. Havia pressa em concretizar o negócio. Entretanto o arguido já estava preso e por isso decidiu passar procuração à sua esposa, a aqui arguida F…, para ultimar negócios pendentes, nomeadamente, e também movimentar contas do próprio arguido e da firma G…. Celebrar rapidamente o negócio prometido e movimentar contas de modo a dissimular valores e transferir a vantagem adquirida ilicitamente. O restante capital proveniente do Canadá/China/Macau não entra nas contas deste branqueamento. Não temos elementos para julgar essas operações e acreditamos que as instituições internacionais, tradicionalmente muito exigentes, se permitiram as transacções é porque estavam conforme os procedimentos legais, sem prejuízo de prova em contrário. Aqui o que interessa é o branqueamento do capital obtido com a venda do prédio devoluto e a participação dos três arguidos indiciados: B…, F… e Sociedade G…, Unipessoal Ldª. Na fundamentação de direito o tribunal a quo começa por dizer que a transferência da conta do arguido B… para a sociedade G… destinou-se à aquisição do imóvel da Rua … nº …, razão por que entende não haver ocultação e dissimulação de capitais. Até aqui tudo bem. Continua e diz: após a venda do imóvel à Sociedade AH… Ldª a arguida F… a mando do arguido B… creditou o valor emprestado à sociedade arguida na conta deste. A final refere-se às transferências da arguida F… em prestações no valor de 50.000,00€, cada uma, sem que se aperceba de qualquer dissimulação de capitais…
Os factos falam por si.
8. No dia 12 de Dezembro de 2016, a arguida “G… – Unipessoal, Ldª.”, da qual é único sócio e gerente o arguido B… …adquiriu o referido prédio – sito no nº … da Rua … - pelo preço de 645.000€ (seiscentos e quarenta e cinco mil euros) …
71. Após o recebimento desta parte final … (1.040.000€), a conta da “G… - Unipessoal, Lda.” junto do T… passou a registar um saldo de 1.078.884,21€.
72. Posteriormente, o arguido B…, por si e na qualidade de legal representante da “G… – Unipessoal, Lda.”, decidiu movimentar os fundos da conta da referida sociedade para a conta pessoal do arguido, também do T…, com o nº ……….. e, posteriormente, para a China.
73. A arguida F… é procuradora do arguido junto do T….
74. Deste modo, entre o dia 6 de Setembro de 2019 e 1 de Outubro de 2019, a arguida realizou treze transferências de 50.000€ cada – no valor global de 650.000€ -, entre a conta nº ……….. da “G…, Unipessoal, Lda.” e a conta pessoal do arguido B… com o nº ……….., ambas do T…, justificando a operação bancária como pagamentos de dívidas que a arguida “G… – Unipessoal, Lda.” tinha para com este arguido.
75. Em 28 de Novembro de 2016, o arguido B… transferiu da sua conta pessoal para a conta da sociedade G…, unipessoal, Ldª a quantia de € 640.000,00.
76.A 28 de Novembro de 2016, sociedade G…, Unipessoal, Ldª, por seu turno, emitiu o cheque bancário n.º ………., no valor de € 645.000,00.
77. Em 10 de Outubro de 2019, conforme acordado com o arguido B…, a arguida F… deu instruções ao T… relativas à conta pessoal daquele arguido de transferência de fundos, cada uma no valor de 300.000€, no montante total de 600.000€, com destino à China, e que o T… se absteve de executar, tendo dado origem à suspensão de operações bancárias judicialmente determinada.
78. A conta nº ……….. titulada pelo arguido B… apresentava, em 16.10.19, um saldo de 594.840,67€, que lhe permitia satisfazer a primeira das transferências a débito para a China, no montante de 300.000€.
79. Na mesma data, a conta nº ……….. titulada pela arguida “G… – Unipessoal, Lda.” apresentava um saldo de 340.085,45€.
Em geral estas movimentações sucessivas estão conforme os procedimentos bancarários mas, algumas delas destinam-se a ocultar o lucro conseguido com a venda do imóvel cujo destino era, inquestionavelmente a China. O lucro do arguido, por si e entreposta sociedade é a diferença entre a compra e a venda do imóvel. Nada obstaria esta operação caso esse lucro, não fosse obtido por via do crime, porém é o ilícito precedente que determina a vantagem indevida, na ordem dos 555.000,00 €, precisamente a diferença de valor entre a compra e a venda do imóvel nº … da Rua ….
Como dissemos a entrada do capital inicial presume-se boa, até prova em contrário, diferente é o benefício patrimonial conseguido com a prática dos crimes, um claro branqueamento de capitais, mediante colaboração da arguida F…, integrados nas contas dos arguidos pesssoa singular (B…) e pessoa colectiva (G…) com dissimulações sucessivas, até à pretensão de transferir valores na ordem dos 600.000,00 € para a China.
A prova produzida e as regras da experiência, bem como o normal conhecimento destas operações, determinam erro de julgamento, sobretudo na conclusão a retirar de matéria base dada como provada e abundantemente citada. Procuramos demonstrar como o crime compensou e ajudou à realização de um negócio, o qual dentro de padrões normais, não seria permitido (possível) realizar…
Julgamos que a matéria dada como provada nos factos 72/79 é suficiente para demonstrar dissimulação de capitais e transferência indevida. Em nosso entendimento falta considerar o elemento subjectivo e retirar consequentemente os factos atinentes a essa vontade da rubrica dos não provados.
Y) Os arguidos B… e F… actuaram de forma livre, em conjugação de esforços e na execução de um plano previamente elaborado, exprimindo e vinculando a vontade da arguida “G… - Unipessoal, Lda.”, procurando a satisfação dos interesses desta, ao movimentar os fundos da conta desta sociedade para a conta pessoal do arguido B… e, posteriormente, para a China, sabendo os mesmos eram uma vantagem indireta do cometimento de atos ilícitos típicos e tinham o intuito de mascarar a origem ilícita do dinheiro, visando dispersar os ganhos alcançados com o negócio imobiliário possibilitado pela prática de crimes, colocando-os num sistema financeiro onde os mesmos se tornam impossíveis de rastrear.
Z) Sabiam os arguidos que as quantias monetárias movimentadas tinham origem na vantagem resultante do incêndio do prédio, querendo com este comportamento escamotear a sua verdadeira origem, sabendo que esta conduta era proibida e punida por lei.
O branqueamento de capitais está disciplinado no artº 368-A do CP.
O agente tem de praticar uma das condutas previstas no nº 2 do citado artigo – converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens … com o fim de dissimular a sua origem ilícita … é punido com pena de prisão de 2 (dois) a 12 (doze) anos. O nº 3 ainda alarga mais o âmbito da previsão, acabando por cobrir quase todas as formas de ocultação e dissimulação de vantagens. Além dos crimes de catálogo, o crime de branqueamento prevê uma clâusula geral no seu nº 1, reportando-se a factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos, assim como os bens que com eles se obtenham.
Notar que a vantagem pode ser conseguida sob qualquer forma de comparticipação.
O crime de incêndio (precedente), já para não falar no consequente homicidio, é punido com uma pena de 3 a 10 anos, limites impostos à punição do crime de branqueamento. Aquele crime cabe claramente na clâusula geral do branqueamento.
Sobre o arguido B… como artífice desta trama e autor material dos crimes precedentes – incêndio e homicídio – não temos dúvidas sobre a ilicitude da conduta, medida da culpa, e objectivos (consequência do crime) pretendidos com a transferência de capitais. A medida concreta da pena, além destas particularidades, deve atender aos concretos pressupostos que já serviram para sancionar a prática de outros crimes, termos em que decidimos condená-lo a uma pena concreta de 6 anos de prisão.
A arguida F… revelou um comportamento frio e determinado com objectivo de estabilizar as vantagens conseguidas. Esta arguida cedo se apercebeu da conduta do marido B…. A revelação expressa na chamada telefónica, em língua inglesa, afirmando que o marido praticou um acto muito feio, a forma como se apressou a beneficiar de procuração para poder actuar junto da instituição bancária (T…) e como desencadeou diversas operações com objectivo de dissimular capitais obtidos à custa da prática de crimes muito graves, demontram uma personalidade ínvia e nada compatível com o que seria de esperar, uma vez que o seu marido, naquela data, já estava preso …
A ilicitude e culpa graves, a que acrescem práticas observadas depois dos crimes precedentes (incêndio e homicídio) demonstram a voracidade em transferir capitais obtidos ilegalmente, como acima já dissemos, o contrato definitivo só foi possível porque o prédio ficou devoluto, mais, em ruínas. A arguida F… não podia desconsiderar estes aspectos e exigia-se-lhe comportamento distinto. Apesar desta vantagem ter sido conseguida por terceiro, seu marido, esta arguida não desconhecia a origem ilícita da mesma, ainda assim procurou encetar a transferência de capitais para a China, o que só não conseguiu por motivo alheio à sua vontade. A arguida comparticipou na prática deste crime. Sem a sua ajuda as transferências não se processavam. A moldura concreta da pena, pelo facto de a culpa não ser tão acentuada como a manifestada pelo seu marido, gradua-se nos 5 anos de prisão efectiva. A arguida F… vai condenada, pela prática, em co-autoria, de um crime de branqueamento de capitais, previsto e punido nos termos do artº 368 nºs 1 e 2 do CP, na pena de 5 (cinco) anos de prisão. Tendo em conta a personalidade da arguida; condições de vida explanadas no relatório social; conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias da prática dos factos, entende o tribunal que a suspensão da execução da pena responde de forma adequada e suficiente às finalidades da punição. Efectivamente a medida da culpa, personalidade da arguida, inexistência de antecedentes criminais e conduta observada durante a prática do crime, sugerem que a ameaça da prisão satisfaz o fim da pena aplicada, pelo que, nos termos do artº 50 do CP, ordenamos a suspensão da execução da pena pelo mesmo período5 (cinco) anos.
Por último impõe-se apreciar a responsabilidade da pessoa colectiva G…, Unipessoal Ldª, sociedade constituída para actuar na compra e venda de imóveis e que veio a comercializar o prédio da Rua … nº …. Mais tarde esta pessoa jurídica colectiva permitiu várias operações de dissimulação de vantagens obtidas ilegalmente, com objectivo final de permitir avultadas transferências para a China. Óbviamente os arguidos B… e F… actuaram sempre em seu nome e no interesse colectivo desta pessoa, com manifesta confusão com os interesses estabelecidos pelas pessoas que tinham liderança nesta empresa, os seus representantes, arguidos atrás identificados. A prática de um conjunto de actos materiais veiculados pelos arguidos pessoas singulares, em nome e no interesse colectivo, repercutem-se na entidade colectiva a título de imputação objectiva. A conduta activa dos representantes – a pessoa jurídica colectiva actua através dos seus órgãos ou representantes – consubstancia-se na conduta da pessoa colectiva, preenchendo-se o elemento subjectico do tipo.
A responsabilidade da sociedade G…, Unipessoal Ldª é incontornável e concretiza-se na multa. Ponderados os critérios previstos no artº 47 do CP – estabelecidos no artº 71 do CP, situação económico-financeira e encargos - entendemos condenar esta pessoa colectiva G…, Unipessoal Ldª na pena de 100 dias de multa a 200,00 € dia, o que perfaz a multa global de 20.000,00 €.

F) Da improcedência do pedido de perda da vantagem obtida com a prática dos crimes. O arguido B… conseguiu através do processo relatado, um lucro no montante de 555.000,00 € - vantagem ilegal proporcionada pela prática dos crimes.
Sobre esta matéria o tribunal a quo disse o seguinte:
Nos termos do artº 109, n°s 1 e 2, do C. Penal, são declarados perdidos a favor o Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.
São também declarados perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, como resulta do artº 111, n° 2, daquele mesmo diploma, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto típico, tiverem sido directamente adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representarem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
Concluímos supra, aquando da análise do crime de branqueamento de capitais, que a quantia em questão foi obtida de modo licito, mediante a celebração do contrato de compra e venda do imóvel sito no nº …, da Rua ….
Nesta medida, não se tratando de vantagem obtida a partir de facto ilícito inexiste fundamento para a declarar perdida a favor do Estado.
Indefere-se, pois a declaração de perdimento a favor do Estado da quantia de € 555.000,00.
Sobre o que constitui esta vantagem, quanto à sua natureza jurídica, deixamos as despesas a cargo do recorrente - Em termos doutrinais, dir-se-à que a perda devantagens é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção. Não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende de uma condenação. Trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes, “mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito-típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do objecto (Figueiredo Dias, 1993:638 e apontando também neste sentido, Maia Gonçalves, 2007:436, anotação ao nº3 do artº111, considerando que o preceito tem em vista “mais uma perigosidade em abstracto”, Leal-Henriques e Simas Santos, 2002, 1162 e 1164, Sá Pereira e Alexander Lafayete, 2007, anotação ao artigo 11º e Jescheck e Weigend, 1996:792, pelo menos enquanto referido à vantagem líquida resultante do crime - tudo isto citado em anotação ao artigo 111º do Código Penal, in Comentário do Código Penal, 2ª edição actualizada).
Já atrás fomos muito claros quanto ao crime de branqueamento de capitais. A ideia de que o lucro foi obtido de modo lícito, mediante a celebração de um contrato de compra e venda, só é aceitável segundo interpretação imediatista. O prédio só foi possível comprar porque estava livre de pessoas e bens, condição estabelecida no contrato promessa. O que permitiu a realização da condição foram os crimes de incêndio e os homicídios (consumado e tentados). O prédio ficou devoluto, condição sine quo non para celebrar o contrato definitivo. Não olvidar que as prestações finais do contrato- promessa também ocorreram depois da prática dos crimes. A vantagem conseguida pelo arguido B…, por si ou interposta pessoa, constitui uma evidência e afere-se, como já havíamos dito, entre o valor de compra inicial do imóvel (645.000,00 €) e a sua revenda livre e alodial (1.200.000,00 €) o que corresponde efectivamente à quantia peticionada e exigida pelo recorrente: 555.000,00 €.
A perda geral de vantagens encontra-se prevista no artº 110 nº 2 alª b) do CP – vantagem conseguida mediante a prática de facto ilícito típico.
Procede a perda de vantagem no valor de 555.000,00 €.

G- Da perda alargada dos bens dos arguidos B…, F… e Sociedade G…, Unipessoal Ldª no valor de 807.402,77 €.
Não confundir o crime de branqueamento de capitais conseguido pelos arguidos B…, F… e G…, Unipessoal Ldª e perda de vantagem, devidamente apreciados, com a petição de perda alargada no valor de 807.402,77 €.
Vale dizer, não voltamos a falar do objecto e âmbito do branqueamento permitido pela prática dos crimes de incêndio e homicídio. Esta matéria é clara e deixamos bem expressa a nossa interpretação. Acontece que o recorrente quer mais e pretende uma perda alargada com fundamento num pretenso branqueamento generalizado.
Vejamos mais uma vez o que o tribunal a quo disse sobre esta matéria - matéria provada quanto ao requerimento de perda alargada:
249. No período de 2015 a 2018, o arguido B… declarou os seguintes rendimentos à Administração tributária:
- no ano de 2015, € 3.450,00;
- no ano de 2016, € 7.510,23;
- no ano de 2017, € 28.665,00;
- no ano de 2018, o rendimento de € 300,27;
250. No ano de 2015 a 2018, a arguida F… não declarou, nem foram comunicados à Administração Tributária quaisquer rendimentos.
251. A arguida G… – Unipessoal, Ldª, de que o arguido B… é único sócio e gerente, iniciou a actividade em 2016, apresentando, nesse ano o prejuízo fiscal de € 21.599,34.
252. No ano de 2017, apresentou um total de rendimento de € 5.835,28 e um prejuízo fiscal de € 21.599,34;
253. No ano de 2018, apresentou um total de rendimentos de € 1.305,42 e um prejuízo fiscal de € 33.440,86.
254. No referido período o arguido B… realizou movimentos bancários e financeiros a crédito, na conta de que é titular no T…, com o nº ……….., nos montantes globais de:
255. 607.750,00 €, no ano de 2015.
256. A 2 de Abril de 2015, a conta foi creditada com o valor de €230.000,00 e € 370.000,00, proveniente do AK…
258. 700.918, 69, no ano de 2016.
259. A 10 de Outubro de 2016 a conta foi creditada com o valor de € 26.600,00, proveniente do AK1…, sendo o ordenante AL….
260. A 13 de Outubro de 2016, a conta do arguido foi creditada com o valor de € 44.300,00, proveniente do AK1…, sendo o ordenante AM….
261. A 17 de Outubro de 2016, a conta do arguido foi creditada com o valor de € 5.700,00, proveniente do AK1…, sendo o ordenante AL….
262. A 31 de Outubro de 2016 a conta foi creditada com a quantia de € 271.745,59, proveniente do AO…, sendo a ordenante AP…, e o motivo da transferência descrito como: para o seu filho para comprar propriedade.
263. A 9 de Novembro de 2016, a conta o arguido foi creditada com o valor de € 67.659,00, proveniente do AQ…, sendo o ordenante AS….
264. A 15 de Novembro de 2016, a conta do arguido foi creditada com o valor de 162.600,00, proveniente do AK…, sendo o ordenante B….
265. A 22 de Novembro de 2016, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 90.000,00, proveniente do AK…, sendo o ordenante B….
266. 73.012, 04, no ano de 2017;
267. A 3 de julho de 2017, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 9980,00, proveniente do AK…, sendo o ordenante B….
268. A 13 de julho de 2017, a conta do arguido foi creditada com a quantia de 31.280,00, proveniente do AK…, sendo o ordenante AT….
269. A 21 de Novembro de 2017 a conta do arguido foi creditada com valor de € 21.131,29, relativo a venda de títulos em bolsa.
270. A 28 de Novembro de 2017, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 37.962,00, proveniente do AK1…, sendo o ordenante B….
271. 778.453,00, no ano de 2018,
272. A 15 de Fevereiro de 2018, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 96.980,00, proveniente do AK…, sendo o ordenante B….
273. A 11 de Maio de 2018, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 9.985,00 proveniente do AK1…, sendo o ordenante AS….
274. A 8 de junho de 2018, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 7.985,00 proveniente do AK, sendo o ordenante AS….
275. A 28 de Setembro de 2018, a conta do arguido foi creditada com a quantia de € 639.988,00, proveniente do AO1…, sendo o ordenante B…, constando nos detalhes da transferência que “o cliente vendeu propriedade e mudou-se para Portugal”.
278. Sendo o total dos três anos de € 2.360.133,73 €
279. Em 22 de Novembro de 2019, esta conta apresentava um saldo de € 3.175,86.
280. Outrossim, no referido período, a arguida G… –Unipessoal, Ldª realizou movimentos bancários e financeiros a crédito, na conta de que é titular no T…, com o nº ……….., nos montantes globais de:
- 6.892,35 €, no ano de 2017;
-102.248,44 €, no ano de 2018,
No total de € 109,140,79;
281. A arguida F… é titular da conta nº …………., do T…, que em 22 de Novembro de 2019, apresentava um saldo de € 474,64.
282. Entre 2 de abril de 2015 e 4 de Março de 2019, as entradas de capital (transferências credoras) na conta nº …………., de que é titular o arguido B… totalizaram a quantia de € 1.705.085,92.
283. Entre 2016 e 2018, o arguido B… transferiu da sua conta pessoal (nº………..) para a conta da arguida G… – Unipessoal, Ldª (………..). O montante global de € 913,900,00.
284. Entre 2017 e 2019, o arguido, na qualidade de legal representante da arguida G…, Unipessoal, Ldª, transferiu da conta desta (………..) para a sua conta pessoal (…………), o valor global de €786.633,08.
285. Em 12 de Maio de 2015, o arguido B… adquiriu o prédio urbano sito na Rua … e Rua …, Leiria (fracção AF – divisão destinada a comércio sita no piso 1 e dois lugares de estacionamento no piso menos um) pelo valor de € 100.000,00; o prédio urbano sito na Rua … e Rua …, Leiria (fração AG-divisão destina a comércio sita no piso 1 e dois lugares de estacionamento no piso mens um), pelo valor de € 100.000,00; prédio urbano sito na Rua … e Rua …, Leiria (fracção AH – divisão destinada a comércio sita no piso 1 e três lugares de estacionamento no piso menos um), pelo valor de € 150.000,00; o prédio urbano sito na Rua … e rua …, Leiria (fração U) destinada a comércio sita no piso 1 e dois lugares de estacionamento sitos no piso menos um) pelo valor de € 200.000,00.
286. Em 11 de maio de 2017, este arguido adquiriu o prédio urbano sito na Avª …, nº …, …, V.N.G. (casa de r/c e andar, anexos e logradouro), pelo valor de € 295.000,00.
287. Em 29 de dezembro de 2017, o prédio urbano sito na Rua …, nº ., …, Lisboa (fracção V- terceiro andar porta A, Habitação), pelo valor de € 270.000,00.
288. O arguido B… adquiriu ainda:
- Em 20.06.18, o veículo com a matrícula ..-UJ-.., marca Volkswagen, modelo …, avaliado em € 33.990, 00;
- Em 21 de Novembro de 2018, o veículo de matrícula ..-QX-.., marca Mercedes-Benz, modelo …, avaliado em € 77.900, 00.
289. Por sua vez, a arguida G… – Unipessoal, Ldª adquiriu:
- Em 12 de Dezembro de 2016, o prédio urbano na Rua …, nº .. a …, Porto, constituída por uma moradia de três andares e águas furtadas, pelo valor de € 645.000,00, que vendeu em 26 de Agosto de 2019, pelo valor de € 1.200.000,00.
- Em 31 de Julho de 2017, o prédio urbano sito na Avª …, … em Vila Nova de Gaia, no valor de € 20.000,00;
- Em 4 de Janeiro de 2019, o prédio urbano sito na Avª …, nº …,.em Vila Nova de Gaia, com lugar de garagem na cave, no valor de € 4.500,00.
O tribunal a quo tratou largamente o crime de branqueamento sobretudo no aspecto doutrinal. Sobre a perda alargada não fez muitos comentários a não ser os citados pelo recorrente. O tribunal a quo sobre este aspecto foi muito sucinto mas também disse o que bastava, nomeadamente de onde vem a ideia da acusação querer uma perda alargada no valor de 807.402,77 €. Veja-se:
“…Revertendo ao caso dos autos, e relativamente aos crimes elencados na lei 5/2002, emerge que o pedido do Ministério Público teve por suporte a imputação a estes arguidos do crime de branqueamento de capitais.
Ocorre que relativamente a este crime o tribunal colectivo entendeu não ter resultado provado que os arguidos tenham incorrido na sua prática.
Falece assim o primeiro pressuposto para a procedência do pedido deduzido.
Ademais, no caso em mãos, o apuramento deste património passou em grande medida pela consideração dos valores depositados nas contas bancárias do arguido, da sociedade arguida e da sua cônjuge, bem como dos bens imóveis do quais são proprietários, como transparece do apenso relativo ao GRA, deduzido do valor declarado e aceite pelas finanças - € 47.066,20.
A acusação concluiu pela existência de uma vantagem patrimonial de €2.422.208,32, que repartiu pelos três arguidos, de forma igualitária, a que corresponde a quantia de € 807.402,77.
É importante considerar, como o fez o GRA, que os valores das três contas bancárias analisadas têm como “fonte”, a conta do arguido B…, na qual são depositados valores provenientes do exterior, designadamente da China e do Canadá.
Isto mesmo é reconhecido pelo GRA (Gabinete de Recuperação de Activos), ao analisar as contas conjuntamente e aos distribuir, igualmente, o ganho incongruente.
Quanto a estes valores o arguido B… alegou que lhe foram dados pelos seus pais, em parte, e, noutra parte que resultou da venda de bens próprios, como aconteceu com o imóvel que detinha no Canadá.
A documentação bancária junta pelo arguido evidencia a alegação.
De notar, quanto à proveniência lícita dos valores, que as instituições bancárias dos países de origem permitiram a transferência para Portugal e as instituições bancárias Portuguesas, receberam os valores transferidos, certamente porque estes não apresentavam evidências de proveniência ilícita.
De assinalar que parte do dinheiro doado foi utilizado pelo arguido na aquisição de imoveis em Portugal, de modo a beneficiar de Visto Gold, que lhe foi concedido.
Julgamos assim que o arguido B… demonstrou a proveniência lícita dos os valores creditados na sua conta, e que movimentou para as contas da arguida F…, sua mulher, e da sociedade arguida G…, Unipessoal, Ldª, improcedendo, também por esta via, o incidente de perda alargada de bens.
A lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira. No seu âmbito cabem, entre outros ilícitos,os crimes de associação criminosa e branqueamento de capitais. A perda alargada de bens a favor do Estado prevista no artº 7 da citada lei presume constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento líquido. O conceito de património previsto no nº 2 do artº 7º da Lei 5/2002 é muito abrangente, muito embora seja necessário o seu domínio e benefício. A lei descreve também os bens transferidos para terceiros a título gratuito … e os recebidos nos últimos 5 anos, anteriores à constituição de arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino. Segue-se o requerimento e liquidação (artº 8) e os meios de prova (artº 9) onde o arguido pode demonstrar a origem lícita dos bens, ilidir o disposto no artº 7 nº 1 da referida lei. A presunção de proveniência ilícita é controversa no domínio da prova (inversão do ónus da prova) e briga com os princípios de presunção de inocência, da culpa e acusatório estabelecidos constitucionalmente… Curiosamente o TC (Tribunal Constitucional) pronunciou-se sobre o diploma (Acórdão do TC nº 392/2015) designadamente as normas previstas nos artºs 7 e 9 da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro e concluiu pela sua constitucionalidade como processo autónomo extraído do processo penal, com preservação plena do contraditório. Neste caso cabe ao arguido o ónus de ilidir a presunção legal estabelecida nesta lei. O artº 10 da Lei 5/2002 disciplina o arresto preventivo dos bens do arguido, com vista à perda alargada de bens a favor do Estado, por se presumir que a sua titularidade é oriunda da prática de crimes de catálogo, nomeadamente branqueamento de capitais. Cabe ao arguido demonstrar a sua proveniência lícita. O arresto preventivo (artº 10 da Lei 5/2002) tem por finalidade garantir a exequibilidade da perda alargada, instituto bem diferente do disposto nos artºs 178 (objecto e pressupostos da apreensão), 111 (perda de vantagem) e 228 (arresto preventivo como garantia patrimonial), todos do CPP.
Se analisarmos o requerimento de perda alargada verificamos que sucederam-se várias transferências provenientes da RPChina, Macau (Região Administrativa Especial da China) e Canadá sem que o compliance dos bancos tem dado qualquer alerta. O mesmo se diga da Autoridade Tributária que tem sempre ao seu dispor largas opções para cruzar informações. A acusação concluiu pela existência de uma vantagem patrimonial de €2.422.208, 32, que repartiu pelos três arguidos, de forma igualitária, a que corresponde a quantia de € 807.402,77. Mesmo com recurso ao diploma nº 5/2002 de 11 de Janeiro, podemos dizer que a investigação das transferências oriundas daqueles países é deficiente e exige mais empenho, acreditamos até que para progredir vai ser necessário um processo autónomo, onde os meios de prova convençam o decisor.
Pretender com os elementos de prova disponíveis generalizar um branqueamento de capitais, é caminhar para lá da prova produzida.
Sobre esta matéria há uma total ausência de prova e a operação aritmética, de como se chega ao valor da perda € 807.402,77, é infundada e deficientemente explicada. As declarações do Senhor Inspector BJ…, do Gabinete de Recuperação de Activos, são titubeantes, inconsistentes e pouco preparadas. O Inspector pautou-se por generalidades sem conseguir fazer referências concretas aos capitais provindos do estrangeiro. Algumas passagens são confrangedoras… Trabalhamos com prova e sempre que condenamos alguém explicamos convenientemente o raciocíonio determinado pelas premissas… Desconhecemos por completo como foram gerados os capitais provindos da China, Macau e Canadá, contudo as instituições bancárias não os consideraram suspeitos (dever de comunicação de operações suspeitasartº 43 da Lei 83/2017). A AT (Autoridade Tributária) também teve acesso à contabilidade. Não são conhecidos sinais de alerta… A política dos vistos Gold permitiu investimentos e aquisição de residência mediante compra de imóvel próprio… As principais cidades portuguesas estão sob a mira dos especuladores imobiliários, solução que agrada a vários players, a pretexto do desenvolvimento económico-social. Não vamos entrar por aqui sob pena de nos desviarmos do assunto que nos prende, certo é que operadores internacionais olham para o mercado português com justificada cupidez… Há muitos capitais que provêm de actividades lícitas e procuram investir em segmentos de mercado apetecíveis. Também não é menos verdade que há muito dinheiro provindo de actividades ilegais mas, a tarefa de o demonstrar cabe ao ora recorrente, pelo menos no âmbito do artº 8 da citada lei.
Não desconhecemos o previsto no artº 4 do artº 368-A do CP – mesmo que as actividades que estão na origem dos bens a branquear se localizem no território de outro Estado (fora do território nacional), se ignore o local da prática dos factos ou até a identidade dos seus autores. É evidente que uma norma desta natureza tem de ser interpretada, pois não pode prescindir de uma ilicitude prévia. A norma quer apenas dizer: independentemente de condenação anterior pela prática de infracção subjacente… As actividades precentes podem ocorrer em teceiro país e com alguma indefinição desses agentes primários mas, é sempre preciso um comportamento ilícito – ver Acórdão do TRL in Processo nº 208/13.9TELSB.G.L1-5, com data de 6/06/2017, relatado pelo Desembargador Ricardo Cardoso.
O recorrente não logrou conseguir demonstrar que todas as actividades praticadas pelos arguidos B…, F… e G…, Unipessoal, Ldª inscrevem-se no âmbito do branqueamento de capitais. Excepcionamos um caso mas, nada nos permite generalizar, sem prejuízo de ulterior prova em processo autónomo …
Improcede o pedido de perda alargada (incidente).

H) Por último o recorrente vem pedir que não se proceda ao levantamento do arresto preventivo das quantias e bens imóveis apreendidos aos arguidos, designadamente à sociedade G…, Unipessoal, Ldª.
O Tribunal a quo determinou o levantamento do arresto peticionado pelo MP … dos bens da citada sociedade.
Como verificamos da análise precedente resultam novas condenações para o arguido B… e também para os arguidos F… e sociedade representada (G…, Unipessoal Ldª) por estes arguidos. Os presentes autos ainda não transitaram e ainda há mais instâncias de recurso.
O artigo 228 do CPP – arresto preventivo – remete-nos para o artº 227 nº 1 também do CPP – pretende-se garantir o pagamento de pena pecuniária, custas ou qualquer outra dívida ao Estado ou ressarcir vantagens retiradas com a prática do crime – vale dizer fundado receio de perda de garantia patrimonial. Entre este arresto preventivo (artº 228 do CPP) como garantia patrimonial de natureza processual penal (cautelar) destinado ao pagamento de pena pecuniária, custas, dividas para com o Estado, relacionadas com o crime e indemnização de perdas e danos emergentes do crime, ou outras obrigações derivadas do crime e arresto preventivo, previsto no artº 10 da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro, como medida de confisco, suportada pela diferença entre o valor do património económico-financeiro do arguido e aquele que se estima congruente com o seu rendimento líquido, há uma grande diferença.
O arresto preventivo disciplinado no artº 228 do CPP incide sobre bens e quantias determinadas, enquanto o previsto no citado artº 10 da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro pauta-se pelo valor incongruente não justificado. Sobre esta matéria, além da incontornável monografia do Senhor Procurador João Conde Correia, publicada na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, nº 25 de 2015, ver ainda Acórdão do TRP de 11/06/2014 e um artigo de Maria João Antunes, publicado na Católica Law Review – V.IV, nº3 de Novembro de 2020.
Vale dizer que este Tribunal Superior não ordena o arresto preventivo nos termos previstos no artº 10 da Lei nº5/2002 de 11 de Janeiro mas, sim nos termos do artº 228 do CPP, como receio de perda de garantia patrimonial, com vista ao cumprimento de obrigações pecuniárias e derivadas decorrentes do processo penal.
Deste processo decorrem responsabilidades associadas à prática dos factos criminosos: custas, encargos, indemnizações, enfim dívidas relacionadas com a prática dos crimes. A opção por este caminho(arresto preventivo) radica no facto de não termos alcançado a perda alargada: a incongruência do património, de forma generalizada, porém, como o principal arguido não prestou caução económica, o património e depósitos ficam indisponíveis como meio de garantia patrimonial, apenas no estritamente necessário para satisfazer aquelas pretensões.
O motivo desta conversão é simples: o arguido, já depois do crime não hesitou em vender um imóvel relacionado com a prática do acto ilícito e como reforço desta operação também procurou movimentar contas bancárias com a comparticipação da esposa, em representação da indicada sociedade. Os arguidos execeram o contraditório ao longo do processo, designadamente em sede de recurso. O tribunal cumpriu os princípios da legalidade e necessidade. Urge manter a garantia patrimonial nos termos enunciados.
Neste sentido determinamos a manutenção do arresto preventivo nos termos do artº 228 do CPP.
Procede o pedido de não levantamento do arresto, embora nos termos sobreditos.

O recurso procede parcialmente.

Recurso do arguido B… – fls. 6492 e seguintes.
O arguido B… numa atitude dilatória decidiu recorrer sem deduzir conclusões. O recorrente não desconhece o disposto na lei – artº 412 nº 1 do CPP – mas também sabe que o artºs 414 nº 2 e 417 nº 3, ambos, do CPP, permitem ganhar mais algum tempo… Assim, sob pena do recurso não ser admitido, veio apresentar conclusões, mais tarde, a fls. 6705 e seguintes beneficiando de mais algum tempo na tentativa de ver esgotado o prazo de prisão preventiva. As normas destinam-se a proteger o arguido por intermédio do seu representante. O recorrente também foi convidado a alegar se mantinha ou não interesse na manutenção dos recursos interlocutórios e nada disse.
O objecto do recurso restringe-se à impugnação da matéria de facto – erro de julgamento.
O recorrente impugnou os seguintes artºs da matéria dada como provada: 30/32, 34, 35, 37/40, 39/43, 45, 46, 59, 60, 80/85 e ainda os artºs do pedido cível nºs 201/207 por considerar que foram incorrectamente julgados – erro de julgamento.
O recorrente não cumpriu cabalmente o disposto no artº 412 nº 3 do CPP. Impugna de modo deficiente evitando apresentar provas concretas e indicar as que devem ser renovados, apesar de tudo foi impugnando os citados artigos o que nos leva, pontualmente à sua análise.
Facto nº 30.
30. Como os filhos da inquilina recusaram o recebimento dos referidos cheques e que a M… assinasse os documentos, o tom dos arguidos passou a ser agressivo e intimidatório, tendo o arguido D… verbalizado, dirigindo-se nomeadamente ao Q…: “vocês ou saem daqui a bem ou saem a mal! Arranjamos umas carrinhas e carregamos tudo”.
A impugnação deste artigo só faz sentido caso o recorrente pretenda dizer que o arguido nada tem a ver com o que se passou. Sabemos perfeitamente como tudo ocorreu e a prova é abundante. A motivação é esclarecedora. O recorrente dificilmente concebe o que estes arguidos faziam no locado… A mando de quem (?) Que interesse tinham neste caso (?) Por que proferiram as ameaças relatadas nos factos provados (?).
Este facto tem de ser relacionado com os factos precedentes nºs 28 e 29 sobre a primeira investida no prédio, numa tentativa de conseguir um acordo, muito embora tenha terminado com ameaças.
Aqui, sob as ordens do arguido B…, os arguidos D…, C… e E… deslocaram-se ao prédio no dia 9 de Fevereiro de 2019, ao início da tarde, subiram ao 3º andar e interpelaram a inquilina e filhos porém depararam-se com a recusa destes moradores em aceitar os cheques ou assinar qualquer documento que permitisse a cessação do contrato de arrendamento.
Perante manifesta discussão, com as referidas ameaças, a PSP compareceu no local. O recorrente diz que está demonstrado que foi o arguido E… quem chamou a PSP. Para terminar salienta que o arguido B… nada tem a ver com este acontecimento nem pode ser responsabilizado pelo facto de alguém se irritar com terceiro. A compreensão deste facto prende-se com a interpretação dos precedentes (artºs 28 e 29) onde se percebe quem vai ao locado e a mando de quem. A irrelevância de quem chama a polícia na determinação da autoria é total, apesar de tudo, fundadamente, o tribunal a quo entendeu que foi a inquilina.
Facto Provado nº 31.
31. Perante a conduta agressiva dos arguidos e temendo o comportamento destes, U…, chamou a entidade policial ao local. Enquanto aguardavam pela PSP, os filhos da inquilina mantiveram conversa com os arguidos no r/c do prédio, local para onde todos desceram, entretanto.
Não sabemos bem o que pretende o recorrente com a impugnação deste facto. É um facto instrumental consequente, momento em que o agente BK… acorreu a um prédio por causa de divergências … O agente esteve lá e percebeu claramente o objecto da discussão. Os factos já tinham ocorrido. O B… tem a ver com este caso porque foi delineado com o seu assentimento no Restaurante Y…, à hora de almoço. Quem chamou a PSP (chamada telefónica) é indiferente. Mesmo que demos como provado que foram os arguidos a irrelevância desse facto é total. Sabemos que os arguidos estiveram por lá a despropósito, pois não tinham qualquer relação com o imóvel, a não ser com o proprietário B…. Esta questão foi debatida na audiência de julgamento e o tribunal a quo ao cruzar depoimentos chegou à conclusão que foi a ofendida U….
Facto nº 37.
37. O arguido B… apagou as conversações que manteve com o arguido E…, com recurso à aplicação Whatsapp, durante esse período.
Este é outro dos factos cuja relevância é praticamente nula: saber se foi o B… ou o E… quem apagou o registo de Whatsapp, mais importante seria o seu conteúdo. O inspector BC… relata os factos que antecederam o contacto de 9 de Fevereiro de 2019 e as chamadas efectuadas entre os diversos arguidos intervenientes. Do celular do arguido B… sobre conversações via Whatsapp, extrai-se muito pouco. Do depoimento da testemunha BC… concluímos muito pouco sobre esta matéria a não ser o facto de esse acto ter sido praticado pelo co-arguido E…. Aliás este arguido revelou actuação mais cautelosa que os restantes indiciados, hesitando na prática de muitos actos suspeitos …
De facto quer da prova técnica - análise de registos de comunicações móveis (fls. 2133/2166) - quer do depoimento da testemunha BC…, não se extrai que o arguido B… tenha apagado as conversações que manteve com o co-arguido E…. O laudo técnico é esclarecedor sobre as comunicações entre estes arguidos e outros, acontece que há operadoras que não identificam as BTS (Base Transceiver Station) utilizadas quando a comunicação se processa por SMS. Se compulsarmos aquela informação verificamos que há muitas das SMS,s enviadas e recebidas cujo conteúdo não é possível aceder (fls. 2137). Neste sentido não podemos garantir que algum destes arguidos tenha apagado conversações…
Este facto apesar de inócuo - só não o seria caso tivéssemos o conteúdo dessas SMS,s - tem de ser dado como não provado.
O facto será levado à rubrica de factos não provados.
Facto nº 39.
39. Dali, seguiram para o estabelecimento de diversão nocturna denominado “AB…”, onde permaneceram algumas horas.
Este facto não pode deixar de ser analisado com o precedente:
38. No dia 23 de Fevereiro de 2019, pelas 23h29, o arguido C… deslocou-se ao Z…, onde se reuniu com o arguido B….
Aquele facto é de grande curiosidade pois o recorrente até o confirma mas diz-nos que só lá esteve, no AB…, até às 5,00 h. O tribunal também não nega esse facto e fala em algumas horas, o que consegue segundo depoimentos, pagamento da conta no estabelecimento e células dos telemóveis. O recorrente socorre-se dos depoimentos de BL…, empregado do AB…, e AU… – bailarina nesta casa de diversão – para explicar a causa de o arguido B… não ter ficado logo com a BG… no Z…. De facto as oportunidades são diversas e inúmeras e por isso mesmo irrelevantes. O incêndio (1º incêndio ocorre no dia seguinte, de 23/24 de Fevereiro). A permanência do arguido no AB… até às 5/5,30 h é pouco significativa. Apenas procuramos descortinar a marcha dos arguidos nesta data. B… não é um autor material mas precisava de controlar os acontecimentos.
Os depoimentos das identificadas testemunhas são pouco credíveis. O arguido B… não accionou qualquer célula até às 5,55 h, momento em que recebe uma chamada o co-arguido C… - AW… (célula). Não vemos qualquer razão para alterar o facto – onde permaneceram algumas horas.
Facto 34.
34. Em virtude da ação dos arguidos D…, C… e E… não ter logrado o efeito pretendido – a assinatura do contrato com vista à desocupação do imóvel pela inquilina e sua família – o arguido B… decidiu então atear fogo ao edifício, a fim de desocupar o locado, destruindo-o.
35. O arguido B…, decidiu levar a cabo tal ação durante a madrugada, de modo a evitar que a deflagração do incêndio fosse detetada.
40. Assim, de acordo com as instruções dadas pelo arguido B…, no dia 24 de Fevereiro de 2019, entre as 02h00 e as 03h00, pessoas não identificadas, agindo sob as ordens e orientações do arguido B…, utilizando a chave que por este lhes foi entregue, e sabendo que os residentes ali se encontravam, entraram no imóvel sito na Rua …, nº …, e ao nível do 1º piso, usando um produto acelerante da combustão de características não concretamente apuradas, derramaram-no sobre o lambrim de madeira com cerca de 30 cm de altura, junto de uma caixa elétrica aí existente mas desativada e atearam fogo no imóvel, o qual, por motivos alheios à sua vontade, apenas não provocou mais danos, por ter tido uma fraca evolução e devido à intervenção dos bombeiros, que foram chamados por terceiros.
Entende o recorrente que não há qualquer prova directa ou sequer indiciária, sobre a participação do arguido B….
Há uma pergunta que se impõe. A quem interessa a desocupação do imóvel (?) Quem solicitou, dia 9 de Fevereiro de 2019, aos arguidos C…, E… e D… a primeira deslocação ao prédio para falar com os ocupantes do 3º andar no sentido de os forçar a aceitar um acordo, com cessação do arrendamento (?) Quem deu instruções para ultimar o contrato definitivo mesmo depois de já ter sido preso (?) Obviamente o arguido B… não deixaria pistas claras sobre o seu directo envolvimento. O facto de ter estado no AB… é irrelevante, sabemos bem que não foi autor material, na certeza porém que este arguido parava neste tipo de casas com frequência. O interesse era evidentemente económico e o arguido B… sabia que o edifício tinha de estar livre de pessoas e bens, não desconhecendo que o interesse mais relevante era poder negociar definitivamente o imóvel.
Sobre a testemunha V…, e os conselhos de que beneficiou, estamos conversados. Os adiamentos sucessivos, de per si já são comprometedores. Certamente o incêndio não o ia prejudicar e qualquer acção cível tem pouco interesse na abordagem desta questão, não obstante a ilicitude do objecto contratual. O incêndio não desvalizou o prédio, bem pelo contrário facilitou a sua limpeza. O imóvel só interessava livre de pessoas e bens, sobretudo de pessoas que tivessem um vínculo com o bem: contrato de arrendamento.
A questão da porta aberta ou fechada também é irrelevante. Se aberta, entra logo, caso esteja fechada, abre com a chave…
A questão da inexistência de seguro contra incêndios ainda é mais caricata. O prédio só interessava livre, pelo que qualquer incêndio, independentemente da causa, era benvindo. Gastar dinheiro com um seguro fazia pouco sentido.
A maior dúvida, à qual já nos referimos, está nas pessoas não identificadas que agiram sob as suas ordens e orientações … Essa sim, é uma grande dúvida pelos motivos acima expostos.
A autoria moral é concludente.
Facto provado nº 39.
Este facto devia ter o nº 41. Há um erro de numeração na decisão a quo. Por comodidade vamos manter esta numeração, sem prejuízo de dizer que há dois factos com o nº39 e outros dois com o nº40.
39. Em virtude da sua acção não ter, de novo, logrado o efeito pretendido, o arguido B… decidiu atear outro fogo ao edifício, com vista à destruição do locado.
Não percebemos a dificuldade de encarar este facto. O arguido B… estava mesmo determinado, caso contrário tudo ficava por aqui. Acontece que não, foi mesmo preciso partir para nova tentativa, desta vez, bem-sucedida. O prédio tinha de ser entregue sem inquilinos …
O recorrente introduz uma citação muito embora não explique o seu conteúdo: no decurso do incêndio, S… deslocou-se para a janela das águas furtadas a pedir auxílio, não tendo sido possível o seu resgate. Não obstante a intervenção dos bombeiros, apenas se logrou encontrar o corpo carbonizado de S… no dia seguinte, pelas 17,00h, momento em que, após a extinção do incêndio, foi possível aceder às águas furtadas do efifício, onde se encontrava.
Desconhecemos a razão deste excerto.
Factos nºs 40/41 – segundo a ordem do acórdão.
40. Assim, e de acordo com as instruções dadas pelo arguido B…, no dia 2 de Março de 2019, entre as 03h00 e as 04h30, utilizando a chave que o arguido B… lhes havia entregue, sabendo que os residentes ali se encontravam, indivíduos não identificados, actuando sob as ordens e orientações daquele, entraram no imóvel sito na Rua …, nº …, e ali provocaram incêndio em três pontos distintos da escadaria do prédio de acesso ao 3º andar, em estruturas de madeira (escadaria e painéis de apoio), com recurso a rega com produto acelerante da combustão de características não concretamente apuradas e adição de chama, cuja evolução foi inicialmente insidiosa pela hora a que ocorreu e posteriormente descontrolada.
41. Os pontos de início do incêndio localizaram-se junto à porta de acesso ao 3º piso, bloqueando assim o único ponto de fuga possível para os assistentes ali residentes, ficando estes, assim, encurralados no interior da habitação.
O recorrente continua a questionar estes factos desconhecendo como é possível chegar a esta conclusão.
As câmaras do sistema de vídeo da BM… não detectaram pessoas a entrar ou sair da Rua ….
Sabemos, reconhecido por todos, que estas imagens não permitem qualquer conclusão. A imagem é obscura e sem qualquer nitidez.
O recorrente vem citar um inspector não ouvido em inquérito de grande relevância para a produção de prova. Esta testemunha depôs em julgamento e o seu depoimento, perfeitamente normal, não serve para ser subvertido, uma vez que concluiu no sentido de as imagens não serem esclarecedoras. Há um estrondo antes da chegada dos bombeiros? É bem provável, estava a decorrer um grande incêndio … Efectivamente, não sabemos a quem o arguido B… deu instruções para atear fogo. Certamente alguém fez este serviço, num quadro de possibilidades vasto que nos suscitaram dúvidas, tendo em consideração os seus mais próximos colaboradores. A entrada no prédio é pacífica, ninguém precisou de estroncar a porta. O interesse económico era manifesto.
O recorrente questiona posteriormente os pontos de ignição do incêndio.
Cita o inspector BN…. Este operacional confirmou que quando chegou ao local do crime ninguém havia lá entrado – não houve ninguém que tivesse feito limpeza em lado nenhum. No cimo das escadas verificou uma mancha, um líquido, um combustível líquido.
O Inspector BO… esclareceu o tribunal que a porta do prédio não havia sido estroncada e quem entrou tinha chave. Repare-se que o assistente BP… não garantiu se a porta estava fechada com o trinco ou até aberta. Esteve lá no primeiro incêndio e depois no segundo. No segundo incêndio, pelas marcas, distinguiu três pontos de ignição. Desde a entrada, com evolução pelos degraus. O recorrente pretende colocar em contradição estes depoimentos mas estamos a falar de dois incêndios com consequências distintas… É verdade que do exame pericial resultou: não se detectou a presença de produtos inflamáveis, o que não exclui, como salientou a perita, que não existiram. As quantidades reduzidas não são apreeesíveis – o aparelho laboratorial não as detecta. A incerteza sobre a substância acelerante não retira a capacidade dos agente(s) poderem atear fogo (!)
A tese do curto-circuito no primeiro incêndio não vingou, acresce que o fornecimento de electricidade naquele espaço estava cortado.
Depois desta questão o recorrente avança para o foco de ignição que deu origem ao segundo incêndio – se teve lugar dentro ou fora da porta dos cómodos do 3º andar (habitação dos assistentes).
O recorrente insiste que este foco ocorreu no interior da habitação. O recorrente impugnou o depoimento da testemunha BO… e conseguiu criar alguma confusão com o local deste foco de ignição, porque, durante a observação, a porta já não existia e ao invés do que pretende fazer crer o recorrente, mediante alguma confusão da testemunha BO…, as fotografias do local não deixam dúvidas. O tribunal a quo motivou esta matéria (factos provados com prova directa) exaustivamente, precisamente pela hesitação manifestada por aquela testemunha.
Com efeito, a fls. 68, no anexo I, relativo à documentação fornecida pela Divisão Municipal do Urbanismo da Câmara Municipal …, é visível o patamar do 2º piso e parte das escadas de acesso ao terceiro piso. Nestas escadas o desenho da parede acompanha as escadas que começam a formar o “caracol”, sendo mais largas na face junto da parede e estreitando no lado do corrimão, apresentando, a parede, uma face hexagonal. Isto mesmo é percetível na fotografia que reproduz a vista interior – entrada do piso 2. Ainda nesta última fotografia é visível o corrimão, um pilar do corrimão e a porta do 3º piso.
Esta mesma parede, note-se a forma hexagonal, o número de escadas e o pilar do corrimão, agora carbonizado, são visíveis nas fotografias nº 31, 32, 34 e 35, 40, 50, 54, 55, 56, 57, 59, 60, 61, 62, de fls. 168 e ss, do volume I. Da observação da fotografia de fls. 60 e 61, concluímos, sem qualquer dúvida, que o foco de incêndio está localizado no exterior da habitação do terceiro piso. A relevância desta conclusão prende-se com a tentativa da defesa de criar a ideia de que o incêndio terá tido início no interior da habitação o que nos reportaria para uma ocorrência fortuita ou para a conduta ilícita por parte dos assistentes, o que, ficou inelutavelmente, afastado.
O designado 2º ponto de início da combustão é também perceptível nas imagens de fls.622 e 625, (zona carbonizada) onde tinham início as escadas de acesso ao 3º piso.
A tese do incidente joga mal com os factos praticados antes: uma coacção e tentativa gorada de atear fogo por intervenção dos bombeiros. As operações foram levadas a cabo por quem tinha a chave – sabemos que o arguido B… era seu portador – e conhecia a morfologia do prédio, de modo a criar alguma confusão com a tese do acidente. Sobre o acesso ao terceiro piso o recorrente num último esforço, argumenta com o depoimento das testemunhas BQ… e BS…, topógrafo e arquitecto, convergentes sobre a dúvida do local da ignição deste segundo incêndio. O recorrente ainda veio brandir com a destruição do local do crime impedindo o contraditório. A prova necessária foi toda devidamente recolhida em tempo. O recorrente nunca esteve impedido de requerer o que tivesse por conveniente. O prédio foi limpo, pelas autoridades da protecção civil, por estar em deficientes condições de segurança, com ameaça dos prédios contíguos e dos utentes que por ali passam.
Facto provado nº 42.
42. O alerta do incêndio junto dos bombeiros verificou-se às 04h35, tendo o seu acesso ao local sido dificultado pela existência de taipais decorrentes das obras que decorriam na Rua ….
Esta prova resulta da informação prestada pelos bombeiros. A estrutura, por via de obras na rua era uma evidência e certamente foi reforçada. Não vemos onde o depoimento da testemunha BT… possa servir para impugnar o facto com o nº 42. Pretende dizer-se que os bombeiros não estiveram no local (?) Que a Rua … não estava cortada (?). A utilidade desta impugnação é irrelevante.
Factos nºs 43/45
43. M… e Q… lograram refugiar-se na varanda do 3º piso, e N… conseguiu alcançar o telhado, tendo sido os três resgatados, com recurso a meios mecânicos elevatórios dos Bombeiros, uma vez que não tinham outro meio de sair da habitação.
44. Após o resgate destes três ofendidos, na sequência do incêndio que deflagrava ocorreu uma explosão que fez com que parte do interior do edifício derrocasse.
45.No decurso do incêndio, S… deslocou-se para a janela das águas furtadas a pedir auxílio, não tendo sido possível o seu resgate. Não obstante a intervenção dos bombeiros, apenas se logrou encontrar o corpo carbonizado de S… no dia seguinte, pelas 17h00, momento em que, após a extinção do incêndio, foi possível aceder às águas furtadas do edifício, onde se encontrava.
Da motivação. O tribunal a quo é muito claro.
O resgate dos ofendidos nos moldes descritos na acusação foi confirmado pelos assistentes Q… e N…, O…, P…, BT…. De referir que foi esta testemunha BT… quem chamou os Bombeiros, após ter sido alertada pelo alarme de incêndio existente no edifício onde habita.
A testemunha BT… foi muito clara quanto ao momento que antecedeu a morte de S…. Ouviu-o a pedir ajuda, no momento em que o assistente Q… se encontrava no 3º piso com a mãe, na parte da frente do imóvel, após o que ouviu um barulho intenso, seguido de uma nuvem negra e de labaredas, tendo deixado de o ouvir.
Analisadas as fotografias de fls. 83, 86, 87, 88, julgamos que o barulho ouvido correspondeu ao abate do telhado sobre o corpo da vítima, onde, aliás veio a ser encontrado.
O pedido de auxílio, também ouvido pelo irmão N…, e a posição do corpo, em decúbito frontal, afasta a tese da defesa de que este estaria adormecido por acção da substância química encontrada no cadáver. Sobre esta substância esclareceu a senhora perita médica Sara Vilão que a dose encontrada está dentro dos valores terapêuticos, sem afastar, é certo, o efeito secundário da sonolência.
Esta impugnação ainda é mais chocante porque insinua que a morte de um dos ocupantes deveu-se ou a pouca destreza do próprio ou dos bombeiros … O que verdadeiramente se pretende com esta insinuação fica com a controversa e pouco esclarecedora alegação do recorrente.
Facto 59.
59. No dia 28 de Março de 2019, pelas 15h00, o arguido B… entregou quantia monetária, de valor não apurado, ao arguido C…, tendo esta entrega ocorrido no “AC…”, em Espinho.
Este encontro teve lugar no dia 28/03/2019 no AC… em Espinho. Nesta intercepção (conversação entre o arguido C… e BB…) o arguido C… exige dinheiro a B…. A impugnação só tem um sentido: o facto da testemunha BB… ter afirmado que nesse encontro foi ele quem emprestou dinheiro ao C….
Não há dúvida que o C… exigiu dinheiro, não sabemos é em que medida foi satisfeito. A mensagem subsequente, entre o arguido e a testemunha BB…, reflecte bem que o encontro não correu como queria… Logo de seguida o arguido C… até diz: a sorte dele foi estar num sítio público e de imediato, com outra mensagem … isso depois eu trato de outra maneira. Este encontro de Espinho não correu bem mas, o arguido capitalizou algum dinheiro. A que pretexto é que a testemunha BB… emprestaria dinheiro ao arguido (?). Este encontro ocorre depois do segundo incêndio com uma morte consequência daquela acção! Não sabemos concretamente a que título e quanto o arguido recebeu.
Facto nº 60.
60. No dia 10 de Junho de 2019, a arguida F…, mulher do arguido B…, e o arguido E… trocaram mensagens através da aplicação “iMessage”, tendo aquela referido que o arguido B… “não era uma boa pessoa e que tinha magoado muitas pessoas (excepto eu) porque fez uma coisa muito má”. A interpretação suscitou muita controvérsia. O arguido E… disse em tribunal que a pessoa de quem falavam era BU… (testemunha). O recorrente pretende abalar a convicção do tribunal alegando que não estavam a falar de B…. Ficamos sem saber o mal que a testemunha BU… causou - alegação genérica em sede de audiência: burlou amigos comuns - Esta testemunha não prejudicou a co-arguida F… mas, causou mal a muitos outros. Pena não tivesse dito que mal causou a tantas pessoas! O recorrente termina que é muito provável que estivessem a falar do BU….
O tribunal inferiu que a pessoa de quem estavam a falar era o arguido B…. Este facto é indiciário e o tribunal retira aquela conclusão no exercício das suas competências segundo critérios para estabelecer prova indiciária e ainda de acordo com as regras de experiência.
Sobre o pedido cível deduzido pela Sociedade K…, SA – o recorrente alega valores na ordem dos 421.000,00 € para recuperar o imóvel nº … da Rua …. Considera excessivo e sem prova.
O tribunal deu como provados os seguintes factos:
190. Mostra-se inscrito a favor da sociedade K… a aquisição do direito de propriedade do imóvel composto de cave, rés-do-chão, três andares e sótão, sito na rua …, nºs, …, … e ….
191. Aquando do incêndio supra descrito as frações do imóvel encontravam-se arrendadas, especificamente:
- nº…, r/c, a BH…, no valor mensal de € 200, 00;
- nº…-…, r/c, a BI…, S.A., no valor mensal de € 704,65 (1º andar renda mensal de € 228,05, 2º andar 214,75);
- nº …, 3º andar, a O…, no valor mensal de € 385,60.
192. O edifício, tem características arquitetónicas de arte nova tardia.
193. Em 2001, foi objecto de obras de recuperação da fachada, no valor de € 13.589,84, pelo que se encontrava em bom estado de conservação.
195. Em julho/agosto de 2007, foi substituída a estrutura da cobertura e telhado, no valor de € 15.421,45.
196. A assistente terá de suportar o custo relativo à intervenção dos Bombeiros Sapadores e do Município …, ainda não contabilizado.
197. Entre os dias 4 e 19 de Março de 2019 foram executadas obras pelo Município, ao abrigo do estado de necessidade, designadamente:
- limpeza e remoção de todos os escombros, lixos e entulhos, remoção de elementos em perigo de queda,
- Colocação de caixa para recolha de entulhos e madeiras resultante da ocorrência de incêndio;
- transporte de resíduos para vazadouro apropriado;
198. Como consequência do incêndio, em 3 de Abril de 2019, o imóvel não apresentava condições de segurança, impondo-se ações de consolidação da estrutura, designadamente ao nível das paredes de meação, fachadas, pavimentos e cobertura.
199. O imóvel foi vistoriado a 23 de Agosto de 2019, pelo Departamento Municipal de Fiscalização que concluiu que: o edifício oferece risco para a segurança das pessoas, devido ao incêndio ocorrido e ao estado de ruína geral do edifício. Oferece risco para a saúde dos utilizadores do prédio contíguo com o n.º …/…, devido ao prédio se encontrar sem cobertura e a empena lateral desprotegida, concluindo-se pela inexistência de cobertura, de grande parte dos elementos construtivos ao nível dos andares superiores, estando inoperacionais as redes das infraestruturas.
200. O imóvel sito no nº …, …, …, foi revisitado em 15 e 17 de Outubro pelo Departamento Municipal de Proteção Civil que concluiu que: todo o edificado sofreu fortes dilatações e contrações durante o incêndio, originando fragilidades estruturais e dos materiais ligantes das alvenarias, bem como nos materiais de construção na sua globalidade pois todo o edifício se encontra sem proteção; as estruturas resistentes perderam a sua estabilidade e eficácia de suporte existindo em alguns pavimentos cedências e elementos em perigo de queda (vigas de madeira partidas); com as infiltrações de águas de combate ao incêndio, as paredes de meação e as estruturas de suporte e cave encontram-se degradadas o que significa perda de resistência e uma deterioração continua que pode provocar acidentes; são visíveis algumas fissuras nas paredes estruturais, ao que julgamos provadas por assentamentos diferenciais das fundações.
201. Pela elaboração do projecto de arquitectura para reconstrução do imóvel sito na Rua …, n.º …º, …º e …º, K…, S.A. despendeu a quantia de € 19.000,00.
202. Pelo projecto de especialidade irá despender um valor aproximado de € 11.000,00.
203. Para a reconstrução do imóvel serão devidas taxas urbanísticas pelo licenciamento municipal da obra e de ocupação da via publica, a liquidar oportunamente pelo Município, em valor não apurado.
204. O custo da construção por metro quadrado não será inferior a € 1.500,00.205. A área de construção é de cerca de 660m2.
206. Para a execução da obra impõe-se a contratação de uma equipa de fiscalização, durante o período de execução, cujo custo mensal será de cerca de € 2.500,00.
207. A execução da obra decorrerá durante, pelo menos, um ano.
Com estes factos o Tribunal a quo determinou: Do pedido de indemnização civil da Sociedade K…, S.A.
Para tanto a assistente despendeu no projecto de arquitectura a quantia de € 19.000,00, prevê gastar € 11.000,00 no projecto da especialidade, terá despesas com taxas urbanísticas, o custo de construção por metro quadrado não será inferior a € 1.500,00; a área de construção é de cerca de 660 m2; para a execução da obra impõe-se a contratação de uma equipa de fiscalização durante o período de execução com gastos na ordem de € 2.500,00, sendo que a execução da obra demorará, pelo menos um ano.
Mostra-se ainda provado que o imóvel havia sido objecto de obras, tendo sido substituída a estrutura da cobertura e telhado, no valor de € 15.421,45; algumas frações do imóvel estavam arrendadas, beneficiando a proprietária de um ganho mensal €1.290,25.
Do exposto resulta que é ainda incerto o valor do custo da reparação integral do edifício.
De todo o modo, e considerando os valores dados como provados, julga-se possível e adequado fixar um valor provisório à obrigação indemnizatória, de molde a permitir à assistente iniciar os trabalhos a tanto necessários.
Assim, partindo do valor médio da construção por metro quadrado, da área de construção e do tempo de construção, fixa-se, provisoriamente, a obrigação de indemnizar em € 700.000,00, sem embargo dos custos superarem o valor arbitrado, com a necessária liquidação em execução de sentença.
Dispositivo: € 700.000,00, à assistente K…, S.A. e no mais necessário à reconstrução do imóvel, sito no nº … a …, da Rua …, Porto, a liquidar em execução de sentença.
O tribunal fixou um valor que em nossa opinião até pode ser corrigido em execução de sentença. De salientar que há vários números de polícia e só é possível chegar a um concreto valor com a execução da obra. Como ponto de partida fixaram-se 700.000,00 € mas admite-se que o valor possa ser superior. Os elementos fornecidos e dados como provados permitem chegar aproximadamente ao valor da indemnização…
A impugnação da matéria de facto não procede.
De ter em conta que a responsabilidade do arguido B… como autor moral advem de um conjunto de factos indiciários e instrumentais dados como provados que nos permitem fazer a inferência dessa responsabilidade penal.
A relevância da procedência parcial é inexpressiva.
Procede parcialmente o erro de julgamento.
Procede parcialmente o recurso.

Do exposto podemos retirar algumas conclusões:
Mantém-se a condenação dos arguidos B…, C…, D… e E… pela prática em co-autoria de um crime de coacção na forma tentada (artºs 22, 23, 154 nºs 1 e 2 todos do CP) na pena de 9 (nove) meses de prisão, com a suspensão da execução das penas por um período de 1 (um) ano.
Mantém-se ainda a absolvição dos arguidos C… e E… pela prática em co-autoria de um crime de incêndio na forma tentada (artºs 22, 23e 272 nº1 alª a) do CP) e outro crime de incêndio na forma consumada (artºs 272 nº 1 alª a) e 285 do CP). Esta absolvição estende-se à prática, em co-autoria, de cinco (5) crimes de homicídio na forma tentada (artºs 22, 23, 131, 132, nºs 1 e 3, alªas e) e h) do CP) e 1(um) crime de homicídio consumado (artºs 131 e 132 nºs 1 e 2 alªs e) e h) do CP).
Do exposto conclui-se ainda que os crimes de homicídio qualificados (tentados-3 e consumado-1) praticados pelo arguido B…, sobre as pessoas residentes no prédio com o nº …, Rua …, foram executados a título de dolo necessário e dois (2) crimes de homicídio tentado, sobre as pessoas residentes no prédio com o nº …, da mesma Rua, foram executados a título de dolo eventual.
Manter a qualificativa da alª e) do nº 2 do artº 132 do CP. O arguido, além da alª h), determina-se por avidez – conseguir uma vantagem patrimonial.
As medidas concretas das penas, pelos homicídios tentados e consumado, aplicadas ao arguido B…, são justas e equilibradas. Os praticadas a título de dolo necessário correspondem, cada uma, a 9 (nove) anos de prisão – 9x3 e os praticados a título de dolo eventual a 7 anos de prisão – 7x2.
Efectivamente este Tribunal Superior decidiu condenar o arguido B… a mais dois crimes de homicídio tentado, em relação aos residentes no prédio contíguo com o nº …, a título de dolo eventual, pois o arguido não podia deixar da admitir a morte de residentes como consequência possível da sua conduta, conformando-se com esta actuação.
Decidimos ainda condenar os arguidos B…, F… e a sociedade G…, Unipessoal Ldª pela prática de um crime de branqueamento de capitais, em co-autoria e em nome da indicada pessoa colectiva, previsto e punido pelo artº 368 nºs 1 e 2 do CP, respectivamente, nas penas de 6 e 5 anos de prisão e a sociedade numa pena de 100 dias de multa a 200,00 € dia, o que perfaz a multa global de 20.000,00 €.
Decretou-se ainda a perda da vantagem obtida com os crimes – incêndio, homicídio e branqueamento – no valor de 555.000,00 €.
Recusamos por outro lado a perda alargada nos termos do artº 7 da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro, contudo convertemos o arresto preventivo, disciplinado no artº 10 da citada lei, agora ao abrigo do disposto no artº 228 do CPP, como garantia patrimonial.
Os recursos alegam erro de julgamento (impugnação da matéria de facto), vícios do texto da decisão recorrida (contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova) além de erro na determinação de norma aplicável – artºs 410 nº 2 alªs b) e c); 412 nº3 e 412 nº 3 alª b), todos do CPP.
Sem prejuízo do disposto no artº 410 do CPP a decisão do Tribunal a quo sobre matéria de facto pode ser modificada desde que impugnada nos termos do artº 412 do CPP. Assim, de acordo com as procedências parciais dos recursos há que efectuar ajustamentos com novos factos dados como provados e , no caso do recurso do arguido B…, considerar um dos factos agora como não provado.
A modificação da matéria de facto (artº 431 alªs a) e b) do CPP) foi considerada e fundamentada ao longo da apreciação dos recursos.

Resta refazer o dispositivo nos seguintes termos.
Matéria crime.
Absolver os arguidos:
- B…, C…, D… e E…, da prática em co-autoria material de um crime de extorsão, p.p. pelo artº 22, 23, 223, nºs 1 e 3, a), com referência ao artº 204, nº 2, a) do C.P.
- D…, C… da prática, em co-autoria material e concurso real de, um crime de incêndio na forma tentada, p.p. pelo artº 22, 23, 272, nº 1, alª a) do CP; um crime de incêndio, na forma
consumada, p.p. pelos artº 272, nº1, alª a) e 285, do CP; um crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artºs 131, 132, nº1 e 2, alª s e) e h), do CP. e cinco crimes de homicídio qualificado na forma tentada, p.p. pelos artºs 131 e 132, nº 1 e 3, c) e h), do C.P.
Condenar os seguintes arguidos:
a) B…
- pela prática em co-autoria material, de um crime de coação na forma tentada, p.p. pelo artºs 22, 23, 154, nºs 1 e 2, do C.P., na pena de 9 meses de prisão;
- pela prática de um crime de incêndio na forma tentada, p.p. pelo artº 22, 23, 272, nº 1, alª a), na pena de 1 ano de prisão;
- pela prática de um crime de incêndio consumado, p.p. pelo artºs 272, nºs 1, alª a), do C.P. na pena de 7 anos de prisão,
- pela prática de um crime de homicídio qualificado, p.p. pelo artº 131, 132, nº 1 e 2, alºs e) e h) do CP, na pena de 20 anos de prisão;
- pela prática de cada um dos três crimes (referentes às pessoas que habitavam o imóvel nº … da Rua …) de homicídio qualificado, na forma tentada (a título de dolo necessário), p.p. pelo artºs 131, 132, nºs 1, e nºs 2, alª e) e h), do CP, na pena de (nove) 9(x3) anos de prisão;
- pela prática, de cada um dos dois crimes (referentes às pessoas que habitavam o imóvel nº … da Rua …) de homicídio qualificado, na forma tentada (a título de dolo eventual), p.p. pelo artºs 131, 132, nºs 1, e nºs 2, alª e) e h), do CP, na pena de (sete) 7(x2) anos de prisão,
- pela prática, em co-autoria material, de um crime de branqueamento de capitais, p.p. pelo artº 368-A, nºs 1 e 2, do CP, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico de penas, condena-se o arguido B… na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.
Condenar também, cada um dos seguintes co-arguidos:
b) C… - pela prática, em co-autoria material, de um crime de coacção na forma tentada, p.p. pelo artºs 22, 23, 154, nºs 1 e 2, do CP. na pena de 9 (nove) meses de prisão;
c) D…, em co-autoria material, de um crime de coacção na forma tentada, p.p. pelo artº 22, 23, 154, nºs1 e 2, do CP, na pena de 9 (nove) meses de prisão,
d) E…, em co-autoria material de um crime de coacção na forma tentada, p.p. pelo artºs 22, 23, 154, nº 1e 2, do CP. na pena de 9 (nove) meses de prisão.
Suspender a execução da pena de 9 (nove) meses de prisão, aplicada aos arguidos C…, D… e E…, pelo período de 1 (um) ano.
e) F…, pela prática, em co-autoria material, de um crime de branqueamento de capitais, p.p. pelo artº 368-A, nº s 1 e 2, do CP, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.
Suspender a execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão, aplicada a esta arguida pelo mesmo período de tempo – suspensão por 5 (cinco) anos.
f) G…, Unipessoal, Ldª pela prática, em autoria material de um crime de branqueamento de capitais, p.p. pelo artº 368-A, nºs 1 e 2, do CP, pena de 100 dias de multa a 200,00 € dia, o que perfaz a multa global de 20.000,00 €.
Parte civil
1. Absolver os C…, D… e E…, F…, G…, Unipessoal, Ldª dos pedidos de indemnização civil deduzidos por:
-Centro Hospitalar …, E.P.E.
-Centro Hospitalar H…,
- I… e J….
- K…, S.A.
- L…;
- M…, N…;
- O… e P…;
Absolver o arguido E…, do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente Q….
Julgar total e parcialmente, respectivamente, procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos e, consequentemente, condenar o arguido B… no pagamento de:
- €147,96, ao Centro Hospitalar H…;
- € 175,47, ao Centro Hospitalar H…;
- € 147,96, ao Centro Hospitalar H…;
- € 170.000,00, ao assistente L…;
- €43.995,00, à assistente M…;
- € 24.510,00, ao assistente N…;
- € 29. 870,00, ao assistente Q…;
- € 53 708,13, aos assistentes I… e J…, bem como no que se vier a liquidar em execução de sentença até à reparação integral.
€ 58.065,00 a O…;
€ 30.110,00, a P…;
€ 35.405,00, a O… e P…, em comum, € 700.000,00, à assistente K…, S.A. e no mais necessário à reconstrução do imóvel, sito no nº … a …, da Rua …, Porto, a liquidar em execução de sentença.
Condenar os arguidos C…, D…, E… no pagamento solidário, com o arguido B…, da quantia de € 1.000,00, da indemnização fixada a Q….

Julga-se improcedente o pedido de perda ampliada dos bens dos arguidos B…, F… e G…, Unipessoal, Ldª.
Determina-se, nos termos do artº110 nº 1 alª b) do CP, a perda de vantagem obtida com a prática dos crimes (incêndio tentado e consumado e homicídios tentados e consumado), designadamente o lucro conseguido no valor de 555.000,00 €.
Como não há caução económica, verifica-se um fundado receio de que faltem ou diminuam as garantias, designadamente a perda de de instrumentos, produtos e vantagens do crime, medida de garantia patrimonial que nos é permitida no âmbito do arresto previsto no artº 10 nº 3 (a contrario) da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro, mediante conversão nos termos do artº 228 do CPP.
Mantém-se, consequentemente, a apreensão dos instrumentos, produtos e vantagens do crime.
Converte-se o arresto peticionado pelo Ministério Público - em relação aos bens e valores propriedade dos arguidos B…, F… e Sociedade G…, Unipessoal Ldª – agora, em arresto preventivo como garantia patrimonial, nos termos do artº 228 do CPP.
(…)
Mantém-se a medida de coacção de prisão preventiva, a que se encontra sujeito o arguido B…, uma vez que se verificam os pressupostos que fundamentaram a sua aplicação, agora reforçados pelo facto da decisão a quo ter sido confirmada e sob alguns aspectos agravada. Continua a ser iminente o perigo de fuga, circunstância capital que determina a manutenção da prisão preventiva.
Sobre o prazo de duração máxima da prisão preventiva lembramos que estes autos foram objecto de despacho a declarar especial complexidade, confirmado por acórdão deste Tribunal Superior (TRP) - referência:14602823. Assim, nos ternos do artº 215 nº 3 ex vi nº 2 do CPP, o prazo elevou-se para 3 (três) anos e 4 (quatro) meses. O arguido está a cumprir prisão preventiva desde 27/06/2019, porém, de salientar que a decisão da primeira instância, no essencial das medidas concretas das penas, foi confirmada e até agravada, o que nos remete para um prazo ainda mais alargado, ao abrigo do disposto no citado artº 215 nº 6 do CPP – eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.
Mantém-se a prisão preventiva do arguido B….

Ambos os recursos procedem parcialmente embora com amplitude distinta.

Acordam os juízes que integram esta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar os recursos interpostos pelo MP e arguido B… parcialmente procedentes, nos termos sobreditos e quanto ao demais confirma-se a decisão recorrida.

Sem tributação.
Registe e notifique.

Nos termos dos D/L n° 10-A/2020 e D/L n° 20/2020 de 1 de Maio - art°s 3 (aditamento ao art° 15-A daquele D/L) e 6 - a assinatura dos
outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal colectivo, nos termos previstos no n° 1 do art° 153 do CPP,
aprovado pela lei n° 41/2013, de 26 de Junho, na sua redacção actual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.
Nestes termos atesto o voto do Juiz Desembargador Adjunto em conformidade com a decisão

Porto, 12 de Janeiro de 2022.
Horácio Correia Pinto.
Moreira Ramos.